27 de novembro de 2009

Eu e o espelho

“Eu sou a coisa mais importante que já me aconteceu, por isso me olho no espelho e me contemplo com admiração e respeito. Vejo na minha imagem a perfeição da Criação Divina, me enamoro das rugas que enfeitam meus olhos e daquela manchinha escura, em forma de coração, desenhada pelo tempo, bem no meio da minha face. “

(Maria Alice Guimarães)

12 de novembro de 2009

SÓ NOS RESTA CANTAR

“No Brasil, de uns anos para cá, o que diz respeito à educação, à moral e à ética, entre outros valores necessários ao bom andamento da convivência social foram por água-abaixo.
Isto acontece em todos os segmentos da sociedade dita organizada. Encabeçando a lista de horrores está o “entretenimento”. As emissoras de rádio e televisão, que entram sem nenhum controle em todos os lares brasileiros passam informação barata e altamente descartável sem o menor nível intelectual , pelo contrário, incentivam, não apenas o popularesco, mas também e sobretudo, privilegiam os comportamentos cada vez mais perniciosos para a população em geral, carente de valores. Exemplo disto são as rádios, antes ouvidas com gosto por todos (eram tantas e de tão boa qualidade que ficava difícil escolher qual ouvir) hoje não possuem a mesma categoria, nem musical nem publicitária. O velho e gostoso rádio virou enfeite na estante da sala. Cadê aquelas músicas altamente selecionadas, aqueles locutores por quem a gente se apaixonava só de ouvir a voz, nossos galãs românticos?
Tudo isso trocado por custo barato, por audiência fácil. Não quero parecer elitista, mas é preciso que os gerenciadores da mídia radiofônica repensem essa questão e dê um “up” neste velho e maravilhoso meio de comunicação.
Que tal ressuscitar nossos galãs? Público de bom-gosto ainda tem, música também ou será que esta faixa de pessoas não merece consideração?
A grande maioria sustenta-se na má qualidade, nas notícias sangrentas, nos papos sem-graça, em músicas de conteúdo erótico-pornográfico, trazendo em seu bojo apologia às drogas, às traições conjugais, colocando as mulheres de forma degradante, como se não tivessem nascido de uma. Elogios aos bandidos que são descaradamente transformados em “mocinhos”, ricos, lindos e audazes.
Infelizmente temos que conviver com estes absurdos todos os dias. E a sociedade despencando, as crianças crescendo sem motivação emocional positiva, os jovens achando que matar é a coisa mais normal do mundo, roubar nem se fala, que sexo aos doze anos é normal, que sacanagem é tudo.
Total menosprezo. Pobres jovens usados como bucha de canhão na guerra pela audiência de emissoras de rádio e televisão, pelas gravadoras inescrupulosas entre outras mau-caratices do gênero. Música é algo mágico , que fala das belezas e da existência humana de maneira digna e não um amontoado de palavras que instigam violência , crimes ou festas regadas a bebida e drogas. Festa e namoro são coisas saudáveis . O que não se pode concordar é que seja veiculado na mídia o sexo banal, explícito, o comportamento promíscuo que todo mundo sabe que leva a degradação moral de um povo.
Modernidade sim, mas limites são necessários. Temos que admitir; o Brasil está na contramão e caminha na estrada errada na parte musical também.
Mas o que mais vende e mais toca nas rádios de hoje é lixo puro e o pior é que a maioria aplaude. Fazer o quê? Um país se faz com homens e livros dizia Monteiro Lobato.
Mas será que esta gente de poucos escrúpulos e nenhuma cultura sabe quem foi esse cara aí?

Este texto foi postado por mim há bastante tempo.
Retorno a fazer a postagem por uma questão de honestidade ideológica. Na verdade o texto não é meu, mas do meu filho "Cassio Fernando"....eu não atribuí a ele o crédito, mas faço agora...desculpe, CASSIO...


(Cassio Fernando Scheer)

10 de novembro de 2009

TUA MÃO

Já precisei da tua mão quando tinha medo, quando tinha sede de ti.
Precisei da tua mão para dormir tranqüila, para caminhar sem tropeçar nas pedras.
Entre minha mão e a tua havia o calor, o suor, o amor.
Agora caminho sozinha, durmo sem medo, tropeço em mim mesma e me seguro no meu próprio abraço.
Ficaste com meus medos.
Que eles te façam companhia nas noites de silêncio e solidão.
Eu não sou uma pessoa triste, por isso vivo como se nada eu tivesse perdido.
Apenas ganhei a certeza de mim mesma.

(Maria Alice Guimarães)

9 de novembro de 2009

VIVENDO NO FUTURO

Sinto-me vivendo no futuro. Olho para trás e vejo que a maior parte das minhas metas foram cumpridas: já tive um filho, plantei uma árvore e escrevi um livro. Nem tudo foi planejado. Algumas coisas nem sequer foram sonhadas e muitos sonhos se perderam não sei onde.Hoje ando com cuidado, procurando os caminhos mais seguros. Já não arrisco muito, mas arrisco sempre. Vou devagar, sem apostar demais nos resultados. Não me dou mais o luxo de errar, mas é inevitável errar de vez em quando.. É o meu momento de vida e me aconselho sempre a tomar muito cuidado. Sei que estou no lugar onde Deus precisa que eu esteja cumprindo minha trajetória. Já vivi o bastante para saber das nefastas consequências que podem advir de um ato falho. Os que eu cometi já me parecem pesados demais, por isso procuro evitá-los. Acredito que possuo o quinhão de amor que mereço ter, nem mais nem menos. Tenho uma família e amigos a quem amparo com meu afeto. Recebo tudo de volta, multiplicado. Isso não é uma sensação de fim de caminho, mas a consciência de estar vivendo o sagrado momento em que a vida nos oferece a serenidade como companheira. Pouco tenho a pedir a Deus, somente que Ele me segure com dignidade e autonomia. Convivo pacificamente com a mulher que me tornei e gosto dela. Posso dizer que sou feliz e satisfeita com o que a vida me deu, principalmente meu filho e meus netos. Precisei de muita luta, vivi situações difíceis, mas hoje entendo que tudo foi necessário. Engana-se quem pensa que consegue construir-se e ser feliz sem dor e sofrimento. A felicidade vem como prêmio que a vida nos dá em doses diferenciadas, primeiro com a euforia da juventude, depois com a sabedoria da maturidade. Não cai do céu, não. Planos para o futuro? Confesso que não os tenho, mas como me sinto no futuro é só viver um dia de cada vez.
Simples assim.

(Maria Alice Guimarães)

7 de novembro de 2009

TUA MÃO

Já precisei de tua mão quando tinha medo, quando tinha sede de ti.
Precisei de tua mão para dormir tranqüila, para caminhar sem tropeçar nas pedras.
Entre minha mão e a tua havia o calor, o suor, o amor.
Agora caminho sozinha, durmo sem medo, tropeço em mim mesma e me seguro no meu próprio abraço.
Ficaste com meus medos.
Que eles te façam companhia nas noites de silêncio e solidão.
Eu não sou uma pessoa triste, por isso vivo como se nada eu tivesse perdido.
Apenas ganhei a certeza de mim mesma.

(Maria Alice Guimarães)

6 de novembro de 2009

AMIGA

Eu sou minha amiga , sim. Converso comigo em voz alta, me dou carinhos de cama, com travesseiros fofos e cobertas macias de algodão doce. Abrigo-me nas noites frias, curo minhas dores com os remédios que guardo na gaveta. Sou minha amiga, sim. Dou-me conselhos, me olho no espelho e me vejo de cabelos cuidados e batom vermelho.

(Maria Alice Guimarães)

3 de novembro de 2009

VIDA E POESIA

"A vida pode ser poesia e a poesia sopra onde quer. Sentir a sensação da vida leva-nos a conseguir o que se deseja e a felicidade é querer e ter apreço por tudo que se conseguiu, mesmo que seja aparentemente pouco. Sempre se pode fazer um novo começo. Felicidade não é o que as pessoas têm, mas o que elas fazem com o que tem. A vida é uma sequência de dias vazios, como se fossem folhas de papel em branco. Cabe a nós escrever nossa história, preencher essas páginas com nossos sonhos e com nossas verdades, com aquilo que acreditamos ser o melhor. Angústias e medos só fazem mal. São crueldades que não devem ser alimentadas. A alegria é colorida, contagiante e benévola. Voluptuosa também, portanto irresistível. O melhor momento da nossa vida é o que estamos vivendo."

Maria Alice Guimarães

23 de outubro de 2009

VIDA

Eu não quero morrer sem ter vivido o dia, nem quero morrer antes de saborear a vida.
Eu não quero me acostumar com o frio do inverno; quero sentir o sol e molhar meus pés na água do mar.
Eu não quero minhas janelas fechadas. Quero a amplidão...
Não quero o sobressalto da hora, do atraso, do medo; quero a liberdade de gritar no vento.
Eu não quero me acostumar a poupar a vida; quero gastá-la todinha.
Ela foi dada a mim e não posso deixá-la de herança para ninguém.

Maria Alice Guimarães

21 de outubro de 2009

A LÍNGUA PORTUGUESA

Ela não é fácil nem maleável. Não possui nenhuma sutileza, a não ser a do pensamento de quem usa e abusa de suas palavras na tradução dos pensamentos de amor e ódio, de rimas mal feitas em versos e inversos. É um desafio a quem escreve. É como montar um cavalo que não foi domado. Tenho tentado em vão parar seu fogoso galope. Nossa língua não fica pronta nunca; é um constante vir a ser, uma mutante bela e despudorada, que se veste e se despe como virgem límpida e pura.

SOLIDÃO

O que tenho pra te oferecer é minha solidão. Ela é tudo que sobrou de mim,.
É o que te posso dar . Tenho demais, posso repartir. Fica com ela por tua companheira. Nela encontrarás o amor que te dará alento nas tuas noites de saudade.
É o meu legado. Fica com ela.

CORAGEM

Quero ficar sem nada, mas quero que Deus me dê coragem para viver sem a tua presença.
Que eu possa penetrar nesse vazio com a plenitude amorosa da minha alma ofendida.
Peço coragem para me enfrentar sem medo de mim mesma
Que eu nunca precise me procurar , que eu esteja sempre ao alcance da minha busca.

DOAÇÃO

Doa-se um velho coração ...Sofrido, maltratado, mas que ainda bate com força Com o sério defeito de continuar moleque e atrevido Doa-se um coração usado, calejado e machucado que teima em continuar, sonhando e se iludindo. Doa-se um coração inconsequente, carente, precipitado que nunca desiste, que sempre insiste, que não aprende e que não se rende. Doa-se um coração velho e sem juízo, meio abestado, muito cansado, surdo, cego e mudo, mas que guarda uma reserva bem grande de amor.

Maria Alice Guimarães

10 de outubro de 2009

A MULHER DE UM HOMEM SÓ

Há muitas espécies em extinção na natureza. Desde os ursos Panda até a “mulher de um homem só”.
Se por acaso alguém encontrar alguma por aí encaminhe para o Fantástico, pois se trata de raridade.

A “mulher de um homem só” para quem não sabe, só teve na vida, um único namorado, ainda na adolescência. Muito jovem casou-se com ele. Sua “performance” sexual limitava-se a alguns tímidos beijinhos (os famosos selinhos de hoje) e uma ou outra mão-boba na perna da donzela que, de tão culpada, rezava a noite inteira rosários e rosários em penitência. E de joelhos, para que o pecado fosse mais facilmente perdoado.

O encontro amoroso só podia acontecer no sofá da sala, aos domingos à tarde, sob a vigilância da família inteira que se revezava na guarda do hímen da moça.
Depois de muitas e silenciosas tardes de namoro começava a ficar urgente passar à próxima fase, a do noivado, ante-sala para o casamento. “Os outros” já estão falando , dizia o pai, referindo-se a urgência em casar os pombinhos antes que acontecesse o pior.

E o noivado era festejado com muita comida e muitos doces, familiares presentes na festa e uma bela aliança de ouro na mão direita dos noivos. Tudo isso vinha acompanhado de autorização paterna para andarem de mãos dadas e “de braços”. Podiam passear, mas sem dispensar o “doce- de- pera “.
A núpcias da “mulher de um homem só” eram rigorosamente preparadas e implicava em muita festa , despesas enormes, quase sempre maiores que o poder econômico de muitas famílias.

A festa durava o dia inteiro, tudo isso depois de semanas de exaustos preparativos. O vestido da noiva, obrigatoriamente branco, acompanhado de véu e grinalda de flores de laranjeira, só podia ser usado pelas moças-donzelas, virgens, de comportamento comprovadamente casto, avalizadas pelo pároco da igreja local, inclusive.

A preparação da vida futura da “mulher de um homem só” parava por aí. Ela sabia através de conversinhas com casadas recentes que teria que passar por grandes apuros na noite de núpcias, mesmo assim, munida de muita coragem, encarava o fálico marido com toda coragem de que dispunha. Traumaticamente chegava até o matadouro, vestida em camisola de sedas e rendas, de preferência branca para combinar com sua pureza. Curiosidade havia, mas o medo era maior. A possibilidade da dor superava qualquer possibilidade de esperar por algo que pudesse ser bom.

Era um ritual de passagem doloroso, sofrido, onde dor e alegria se confundiam. Muitas se separavam das famílias e iam viver em lugares distantes e como aves migratórias chegavam tristes acompanhadas daquele quase desconhecido que iria fazer gato e sapato da pobrezinha.

Mas era assim que tinha de ser e todas as moças queriam casar. Ficar solteira era uma vergonha. Solteironas, nem pensar. Seria a condenação de “ficar para titia” ou cuidar dos irmãos mais novos e arcar com os pais quando envelhecessem. Melhor o matadouro, morder o travesseiro e tornar-se mulher (como se já não o fossem). Tornar-se, para sempre, “mulher de um homem só”.
Ensinadas na lei do sacrifício e da doação acolheriam os filhos que deus mandasse, uma dúzia deles e nunca esqueceria nem o nome nem o aniversário de nenhum, afinal seu título era de nobreza- rainha do lar – quase uma santa.

Dava até a impressão que os filhos foram concebidos sem sexo, como Jesus. Essa mulher não podia ter a visão de seu marido despido. Sexo só santificado, diziam os padres. Tinha que passar pela água-benta, pelo confessionário e era preciso zelar a vida inteira pela reputação, abdicar de enfeites e perfumes.

Quem ouve uma história dessas nos dias de hoje pensa que é pura lenda. Mas ainda existem algumas dessas mulheres vagando por aí. Não conseguem entender muito bem quem são as extravagantes e voluptuosas” mulheres de muitos homens” que desfilam pelas ruas enfiadas em “jeans” apertados, barriguinhas à mostra, seios empinados, bundas arrebitadas, equilibrando-se em saltos muito altos e finos. Não se falando que exalam perfumes libidinosos que provocam paixões avassaladoras. Todas sem donos, livres pensam as “mulheres de um homem só” ou será que o mundo mudou tanto que agora são eles que têm de obedecer, comportar-se e se submeterem ao desejo delas?



Maria Alice

20 de setembro de 2009

COMO UM RAIO DE SOL INVIESADO

Um dia voltei ao lugar em que fui feliz!
Há quem concorde que não se deve voltar a esse lugar. Ele deve ficar congelado na memória como uma lembrança , uma doce reminiscência dando-nos a alentadora certeza que um dia conhecemos a felicidade .

Desobedeci o antigo conselho, cujo autor nem mesmo sei quem foi. E era um domingo de primavera , daqueles silenciosos e mormacentos. Não havia sol e se havia escondeu-se ao me ver para que eu ficasse mais triste naquela visita de saudade.

Caminhei pela estrada de cascalhos até onde era a casa em que cresci. Não havia nada lá , nem mesmo o velho poço eu encontrei. Estava escondido pela vegetação quase mato fechado.
Os pés de laranjeira haviam sumido da mesma forma que sumiram as pereiras , as goiabeiras e todas as árvores que eu conhecera tão bem. Apenas o velho pé de bananeiras sobreviveu meio enferrujado , sem viço.

Senti uma dor aguda no peito, como se houvessem me tirado um pouco da minha essência, da minha alma.Eu já havia feito a maior parte da travessia da vida e sabia que os sonhos que ali havia sonhado estavam muitos deles me espionando entre as poucas árvores que o tempo não conseguiu derrubar. Meu antigo oásis de felicidade transformara-se em um deserto.

Pensei na sequência interminável de sucessivos dias de sol, de chuva, a geada dos invernos sempre tão frios, na névoa úmida, nos temporais e nas cheias do rio .Tudo corroendo as sobras dos meus sonhos, murchando as flores que eu plantara com tanta esperança na minha longinqua juventude.
Mas tudo estava ali e eu podia sentir na ausência, a presença do meu amor de infância, do aconchego das pessoas que me ensinaram as primeiras lições que se tem de aprender na vida, do chá de erva-cidreira , do fogão de lenha , dos banhos no rio, das cantigas de roda, das cavalgadas livre pelas estradas empoeiradas .

Encontrei uma pedra e sentada, abracei meus joelhos. Uma vontade muito grande de chorar atravessou-me a garganta. De todos os meus sonhos o mais bonito ficou ali, solto no ar e agora quase materializava-se diante de mim sem que eu pudesse aprisioná-lo novamente. Um sonho de amor rebelde , tão rebelde que foi em busca das fronteiras do mundo que ficavam atrás dos morros azulados , do outro lado do rio. Nunca mais voltou, mas ainda me fere como um raio de sol enviesado.

Um dia chegarei ao fim da jornada. Terei os pés ainda cobertos de poeira ,a pele queimada pelo sol do caminho, o corpo cansado de tantas andanças repousará à sombra das laranjeiras . Vou encontrar ainda o velho poço e beberei de sua água fresca e pura. Até o pé de camélias ressuscitada florido. Ouvirei o som dos teus passos nos cascalhos da estrada e seremos felizes para sempre...

Maria Alice Guimarães

14 de setembro de 2009

AS ESPIÃS DE DEUS

Confesso meu especial encantamento pelo sexo feminino. Gosto de analisar as mulheres, ler e estudar sobre elas, tentar entender seus anseios, talvez por ser uma delas, ou quem sabe, por não ter tido filhas nem netas, mas ter crescido em um núcleo familiar composto, basicamente, por muitas mulheres.

Luis Fernando Veríssimo, diz em uma de suas crônicas que “mulheres são espiãs de Deus”. E lá fui eu, de novo, em busca de descobrir mais sobre minhas musas..Jovens, maduras, loiras, morenas, gordas , magras, de norte a sul do Brasil, todas possuem os mesmos dons, os mesmos atributos básicos. O que as diferencia não as torna tão diferentes, porquanto as faz mais iguais.

Mulheres são mães, preparam gente dentro de si. Deus não confiaria essa tarefa de reproduzir sua imagem e semelhança a um “reles mortal”. E, depois de gerar vida, elas são capazes de ensinar como vivê-la, tudo isso com amor incondicional e disponibilidade total. Mesmo as que por qualquer motivo , seja de escolha própria ou não, não têm filhos biológicos, acabam por exercer a maternidade em qualquer tempo, sendo professoras, médicas, psicólogas, adotam seus sobrinhos como filhos e, na velhice de seus pais, trocam de lugar com eles e passam a ser suas mães. E quantas servem de mães a seus irmãos mais novos e até mesmo para seus maridos?

Mulheres possuem sexto sentido. Disso ninguém duvida. Percebe, sente e pressente . Até mesmo o choro feminino é diferente do choro masculino. Poucos homens choram, mas todas as mulheres vazam, extravasam, desidratam-se de tanto chorar. E fazem isso sem medo de serem julgadas , rotuladas de frágeis ou de fracas. E fala com os olhos, diz com gestos, se arranja sozinha sempre que a vida aperta seu nó em torno dela.

Mulher confunde sexo com amor, mas até isso parece propósito da natureza. Dessa forma colocam amor , que é puramente espiritual, em algo que, primitivamente, estaria apenas no âmbito físico, ligado apenas à procriação. Desta forma sacralizam a profanidade das relações carnais e os filhos passam a ser produtos do amor antes de serem conseqüência dos instintos sexuais humanos. É a parte divina do mistério da Criação, por isso espiãs de Deus.

E alguém duvida que as mulheres possuam cérebro? O que há de errado em possuir um? Sustentar-se, ter autonomia, desejos, ambições, opiniões próprias e coragem para expressá-las e tudo isso temperado com uma boa dose de ousadia é direito de toda mulher seja qual for seu estado civil, sua condição familiar, o lugar onde vive, a profissão que exerça. Nada disso se opõe à sua condição de mães, de perpetuadoras da espécie.

Muitas são as interpretações errôneas acerca do papel da mulher na sociedade contemporânea. É preciso atentar que ser inteligente, culta e independente não muda a essência feminina, apenas as tornam mais eficientes como companheiras de vida, não só para seus maridos ou namorados, mas também para todos com quem convivem.

Mulheres independentes e bem resolvidas não são raridade nos dias de hoje. Acho até que sempre existiram, de uma forma diferente, talvez, com outras vivências, outros valores , mas com a alma livre para voar sempre que fosse preciso. A consciência da necessidade de independência aumentou, com toda certeza, mas ampliaram-se as necessidades femininas. Alguns homens se sentem ameaçados por essa nova-velha versão feminina. Sinto muito, mas terão de correr atrás do prejuízo. Os toscos, inseguros e cafajestes não têm como segurar uma mulher dessas por mais “bonitinhos” que possam ser.
Serem homens das “espiãs modernas de Deus” requer muita eficiência

MARIA ALICE GUIMARÃES.

12 de setembro de 2009

INDEPENDÊNCIA E CASAMENTO

Muito se têm dito acerca do que é independência, mas será que alcançamos o verdadeiro sentido do termo?
Examinando o verbete no dicionário, encontraremos a palavra como sendo sinônimo de “autonomia”. Independente, portanto, é quem não depende, é autônomo, livre.
Ainda apoiando-nos nas regras da gramática, encontramos na parte que trata da sintaxe, que as orações se dividem em coordenadas e subordinadas. Coordenadas são as orações paralelas, sintaticamente equivalentes, ou seja, possuem a mesma importância no período, são independentes. Com as orações subordinadas, não acontece a mesma coisa. Elas só têm sentido se estiver completando outra, a oração principal.

No primeiro caso, das coordenadas, existe independência, autonomia; no segundo, das subordinadas essa condição desaparece. Nas relações coordenadas, a força geradora de sentido é a mesma, em todas as orações, já nas subordinadas a carga significativa encontra-se na principal.
Levando para as relações interpessoais, o exemplo gramatical serve como base de análise para a compreensão do que seja ser independente.
Tentando responder a pergunta se independência e casamento podem coexistir, se duas pessoas vivendo debaixo do mesmo teto, dividindo a mesma cama, o mesmo cobertor, a mesma geladeira, o mesmo banheiro entre outras coisas, podem ser independentes, autônomas?

Nas relações subordinadas o processo é bem diferente. Um é a pessoa que exerce o poder, que tem a força da decisão; cabe a outra acatar. Esse tipo de casamento é o que acaba em separação ou a mulher se conforma à situação aceita e fica , ou na fantasia de que é feliz ou sufoca com subterfúgios que ela mesma cria, suas insatisfações. E ficam assim, parecendo o casal perfeito. Apesar de a modernidade ter batido à porta dos casais do século XXI, ainda é muito comum esse tipo de situação.

Mas a saída para quem deseja estar casada e ao mesmo tempo poder se intitular independente, parece estar na escolha do parceiro. Queiramos admitir ou não, a “cara metade” deve, necessariamente, comungar desses princípios básicos de convivência, respeitando a se importando com a mulher com quem se casou, vendo-a como um ser individual, diferente dele, física e psicologicamente. Estar em comunhão com o outro, dar-se direitos iguais, estabelecer relações coordenadas. Pode ser difícil, mas não é impossível.

Não há independência na subordinação. Um casal precisa assemelhar-se aos trilhos de um trem, correm paralelos, tem a mesma importância no trajeto, mas são autônomos, individuais. Os valores essenciais têm de ser os mesmos, a boa educação, o respeito mútuo não podem ser negligenciados.

Não me parece que ser independente e casada seja impossível às mulheres de hoje. Não vejo também necessidade de deixar de viver as emoções do amor compartilhado, muito menos de isolar-se na solidão para poder ser independente. A verdadeira independência é um sentimento, um estado de espírito, uma garantia de sobrevivência aconteça o que acontecer. É maturidade e sabedoria, que precisa ser buscada e lapidada a vida inteira. É crescimento emocional.
Ser independente e amar, casada ou não? Com certeza, sim.

Maria Alice Guimarães

25 de agosto de 2009

UM MUNDO SEM MULHERES

Hoje me peguei imaginando como seria um mundo sem mulheres. Só homens! Todos fazendo o maior esforço para ficarem malhados, bem vestidos, ostentando carros potentes e luxuosos. Tudo isso sem que nenhuma mulher pudesse ver. E eles ali, sem ter ninguém a quem se exibir, sem ninguém a quem impressionar, muito menos conquistar. Só sujeitos iguais a eles, variando apenas a forma física, uns barrigudos, outros de bigode, uns saudosos petês de barba e de aparência desleixada, pois o resto se engravatou. Um mundo só de homens, seria, no mínimo, engraçado, não fosse um grande erro da criação.

Sem mulher o mundo não iria à frente. A mulher é a força propulsora de tudo, é quem detém o poder. É ela quem decide, desde a compra da casa, do carro, o filme a ser visto no sábado à noite, onde a família irá passar as férias, a cor das cuecas do marido. Parando por aí, pois a lista é muito grande, mas sem deixar de concordar que supermercado só existe porque existe mulher. O mesmo se pode dizer das floriculturas e das lojas de sapatos. Essas, então só existem porque as mulheres , além de comprar seis pares a cada estação ainda levam um pra cada filho e um pretinho básico para o marido.Tirem as mulheres do mundo e ele acaba. Acabam as baladas, os barzinhos de paquera, a beleza feminina nas areias das praias. Já o mesmo não aconteceria se os homens não existissem.

Tudo funcionaria do mesmo jeito. Mulher não se veste, não se produz nem se enfeita para os homens, mas para si mesmas e para provocar a inveja das outras mulheres. Isso já foi comprovado, até em pesquisas científicas. Sozinhas no mundo e sem as restrições masculinas aos gastos exagerados, a roda econômica giraria com maior rapidez, haveria mais perfume no ar, mais flores nos vasos. Sem mulheres teríamos um mundo catastrófico, inviável, insuportavelmente desarrumado, com muito pouca cor e sem a menor graça. Não haveria crianças e nem sogras, sem batom e sem xampu, sem aquele "glamour" que só as mulheres possuem para fazer, de repente, o mundo parecer perfeito.

Mulher tem sutileza, brilho nos olhos, sabe agradecer com ternura, chora e confessa o que está sentindo. E muitas querem mudar o mundo para melhor, é claro.Se, como disse Drummond, os homens distinguem-se pelo que fazem, as mulheres pelo que levam os homens a fazer. E há muitas mais radicais que consideram os homens perfeitamente dispensáveis (lembram do Relatório Hite?) Descobriram que podem fazer tudo o que um homem faz, desde trabalhar e sustentar a casa, mantendo, por acréscimo, conforto da família , dirigir o próprio carro e operar outras máquinas menos convencionais.Mas pensando bem, seria um mundo muito sem graça, considerando que toda essa mulherada não teria com quem brigar e seria obrigada a viver em paz.
Melhor que fique como está e que o Criador me perdoe a heresia .

Maria Alice

16 de agosto de 2009

Eu também aprendi

Difícil escrever sobre “Eu aprendi que...” sem parecer que estamos parafraseando Charles Chaplin, mas juro que me policio muito quando escrevo. Não quero me parecer com ninguém, muito menos imitar esse ou aquele escritor. Tento ser eu mesma sempre, às vezes mais inspirada, outras menos, mas sempre eu.

Aprendi a vida ao vivo. Quando era criança e ainda na minha idade jovem, não havia televisão e os modelos a serem seguidos eram nossas avós, mães, tias e professoras. Os meios de comunicação disponíveis, o velho e fanhoso rádio, algumas poucas revistas e aqueles imensos jornais, que meu pai lia e depois deixava de lado para que fosse usado para acender o fogo do fogão de lenha ou fazer pacotes, quando não se dispunha de algo mais adequado.

Mas antes que fosse dado o destino final a essas preciosidades eu os abria no chão e sentava em cima deles para conseguir lê-los. Eu era menor do que o tamanho das folhas. O gosto pela leitura me nasceu assim, ainda soletrando e dando preferência, inicialmente, para as manchetes, pois eram como são até hoje, escritas com letras grandes. A música do rádio fanhoso me fez aprender a dançar, a dar ritmo à vida e trouxeram consigo as primeiras poesias, as palavras de amor das apaixonadas letras da época fizeram aflorar minhas emoções.

Aprendi que ler é fundamental, que emocionar-se é o que nos torna pessoas melhores, que amar é preciso, senão secamos o coração e o preço disso é ter de umedecê-lo com lágrimas. E aprendi a cantar chorando, a sorrir quando deveria gritar. Chorei de felicidade por coisas boas que a vida me deu, por mim mesma quando aprendi a me conhecer melhor e perceber que eu não era mais uma mulher no mundo, mas que sou única e que eu mesma precisava cuidar de mim. E segui vida afora rindo de nervosa, muitas vezes tendo que brigar pelas coisas nas quais acreditava, combatendo a injustiça, levando muitos “não” como resposta aos meus anseios, essas coisas que todas temos em comum.

Ser mulher é graciosamente belo, a começar pelo dom de gerar filhos e de ter com isso a certeza de eternizar-se. E fazemos muito mais que dar a vida; ficamos sem calçados para que nossos filhos possam tê-los, comemos menos para que eles comam mais. Ouvi uma mulher dizer que não gosta até hoje de sorvete porque quando seus três filhos eram pequenos, não podia pagar por quatro e ficava sem, dizendo às crianças que não comia porque não gostava. Abdicava de ter esse pequeno prazer para que eles o tivessem. Aprendi que o amor de uma mulher faz o mundo girar e faz toda a diferença.

Não acredito, por essas poucas razões que as Dafnes, as Mayas , as Melissas e tantas outras heroínas de mentirinha, criadas sob encomenda pela mídia, possam servir de modelo , de protótipo de mulher de verdade. Aprendi que para ser mulher de verdade temos que, antes de tudo, conhecer as circunstâncias nas quais estamos inseridas, responsabilizando-nos pelas escolhas que fazemos, com coragem, dentro de nossas limitações, procurando fazer fluir o nosso melhor.

Aprendi que nunca receberemos um diploma de fim de curso na escola da vida. O fim de uma etapa é também o começo de outra.
Entre as muitas coisas que aprendi é que devo dividir, compartilhar com todas minhas vivências, pois se não for assim já não serviriam de nada.

15 de agosto de 2009

Medo de envelhecer

O medo de envelhecer tem suas raízes na mesma fonte de todos os demais, só que potencializado pela proximidade da possibilidade da morte. Mas, na verdade, medo é um sentimento que somos todos portadores. É mais uma das muitas barreiras que temos que ultrapassar no processo de amadurecimento, de formação psico-emocional. E é um inimigo a ser vencido. Supõe, portanto, que temos de guerrear com ele.

A culpa é outro inimigo que nos causa males incalculáveis. Livrar-se deles é aumentar a possibilidade de sermos mais felizes. Mas é do medo de envelhecer que eu quero falar. Como envelhecer em um país como o nosso, onde tudo existe em função de uma cultura da juventude eterna. A indústria e o comércio da promessa de juventude se fazem presente em tudo; nos meios de comunicação a publicidade é evidentemente voltada para o mito da juventude. Eu disse "mito" , porque a fase jovem do ser humano é a menor de todas, só perde pra infância.

A maior de todas e onde passamos a maior parte da vida é a idade adulta. è claro que a cada dia vai, gradativamente diminuindo o viço da pele e, lá pelas tantas, começamos a sentir mudanças na agilidade física, o pique, como se diz. E não fomos educados para enfrentar essas mudanças. Por isso sofremos, incentivados pela valorização da juventude eterna.

Para a maioria das mulheres, envelhecer é assunto proibido, como se isso nunca fosse acontecer. A juventude estaria, para elas, ligada possibilidade de conseguir amor, sexo e sucesso. A perda da juventude física (porque a mental não se perde) funciona como um fim de caminho, quando ainda lhes falta viver outro tanto.

Uma vez li em algum lugar que as pesquisas médico-genéticas estariam em busca de um meio de fazer com que o indivíduo cessasse o envelhecimento em torno dos quarenta anos. Ficaríamos "congelados" com a aparência de adulto jovem enquanto vivêssemos. Mas não tenho notícias de que estejam perto de conseguir essa façanha. Retardar, com cirurgias plásticas, cosméticos, muita malhação, alimentação saudável, isso sabemos que sim.

Também com a mudança dos valores culturais , permitindo que homens e mulheres se vistam de forma colorida, moderna e descontraída, nos faz ver, por aí , pessoas que conseguem parecer jovens por mais tempo. Mas isso é cultural. Hoje podemos encontrar mulheres de idade cronológica avançada , apertada em "jeans" e até de mini-saia. Conheço várias. São as inconformadas e ignorantes dos mistérios da vida. Ridículas, até. Perda de tempo,só não envelhece quem morre antes e morrer antes de viver, convenhamos, não é um bom negócio. Viver é uma tarefa que começamos na hora que nascemos e convém que se faça bem feita a lição de casa: Aprender a viver... a entender a vida como um ciclo, etapa por etapa e com todos os encantos que cada uma traz consigo.

Não "aprender" essa liçãozinha básica é condenar-se à desolação além de deixar escapar as muitas compensações que temos quando estamos mais avançados nos anos vividos. Uma tristeza misturada com desesperança, com generosas pitadas de decepção é o que fica no íntimo de quem ignora que terá de envelhecer um dia e morrer depois.É uma sensação de fim de caminho. Com ela vem o desânimo, o desamor e tudo desvirtuam. A vida perde o foco, a graça já não tem graça, o mundo fica branco e preto. A desolação é a consciência de que o tempo passou e fomos excluídos de viver o futuro. Só sobra o hoje, um resto de vida que se chama presente e que amanhã já será passado.

É chegada a hora de contabilizar as perdas e os ganhos. Perdemos o desejo, a paixão e o entusiasmo. Fogo baixo, lembranças em alta. Mas será que é assim mesmo? Até por aí. Tem muita vida debaixo do sol; é só olhar bem que, com certeza, vamos enxergar. Melhor seria contabilizar os ganhos, por mais difícil que possa ser a tarefa. A vida vivida é ganho sobre a morte prematura.

Sempre que penso nisto lembro de quem nem teve a chance de viver. Que lindas são as histórias que os mais velhos têm guardadas na memória e podem contar aos mais jovens. São testemunhas oculares. Viram a vida acontecer, foram abençoados com filhos e netos. De nada adianta se queixar que não podem mais dançar porque as pernas não agüentam. Dance do mesmo jeito, devagar, no ritmo de seu tempo. Desistir de continuar buscando felicidade é condenar-se à depressão, é ingratidão com quem lhe deu a vida, é condenação.

Posso garantir às jovens, que aprendi que a os arroubos da juventude nos fazem sofrer. As paixões avassaladoras, os desejos desenfreados não devem deixar de serem vividos, mas que aos poucos vão vão sendo, sutilmente, substituídos por sabedoria, sossego, paz interior e desapego às coisas mais mundanas. E tem a alegria que cada neto nos traz, a substituição de paixões por amores verdadeiros, por segurança emocional e pelo controle de si mesmo e força nas mãos para segurar as rédeas dos cavalos selvagens que habitam em nós e que domamos , uns com muita dor , outros com muito amor.

Vovó @.com

Além do manejo perfeito das palavras, não há como desvincular o texto da serena figura da escritora, com aquele jeito de avó. FofinhaRaquel de Queiroz me encanta sempre que leio “A arte de ser avó”, que mais parece uma declaração de amor do que uma crônica, de óculos, sorriso complacente, meiguice e doce cumplicidade. Vovó como mandava o figurino. Como foi a minha e a de tantas vovós de hoje.

Pois é, como tudo mudou com a aceleração da modernidade, as avós mudaram também. Não no mais importante, creio eu, que é no quesito amor maternal elevado à potência dez, mas na forma como esta relação tão especial acontece entre netinhos e vovós nos tempos de @.com.

Mudaram as avós ou mudaram os netos? Inclino-me a afirmar que a mudança maior atingiu as avós. Simples, as mulheres mudaram e isso independe do grau que ocupam na hierarquia familiar. Dos vinte aos oitenta os cosméticos, a academia, o vestuário muda muito pouco. Os hábitos também. Não causaria nenhuma surpresa encontrar a avó curtindo a mesma balada que a neta, visitando a mesmas lojas de jeans, fazendo o maior sucesso nas rodinhas de conversa.

Afora as experiências e histórias que compartilham com os jovens sem nenhum constrangimento. Tem ainda a confiança inabalável e o prestígio que uma avó possui com seus netos. Mãe é para educar, reprimir , colocar limites, dizer não, impedir. Vó não, esta é para defender, dar cobertura às peraltices que mãe não tolera, ouvir segredinhos (e guardá-los), alcançar aquele dinheirinho extra, comprar e dar de presente um tênis de marca que o neto nem precisava, sercúmplice do namorinho escondido e até permitir que os pombinhos se encontrem na sua casa, sem que os pais desconfiem nem em sonho.

E avós modernas têm Orkut, sabem usar o computador, fumam, namoram e dirigem automóvel. São tão arteiras como os netos. Gostam de música, de filmes de ficção científica e adoram comer porcarias, de preferência no schoping. Não que não encarem a cozinha para satisfazer a gula dos marotos. Muitos bolos, chocolates e brigadeiros no melhor estilo abre-embalagens de semi- prontos, melhora a classificação da vovó no ranking e no prestígio familiar.

E o que é melhor em tudo isso é que essa vó moderna é fofa também, mesmo não tendo nada de matrona ela dá colo gostoso, abriga na sua cama, faz chá de camomila e curte a dor-de-cotovelo, sempre que essa desgraça acontece com seus netos. Muitos dizem “minha vó é uma fofa”, querendo dizer querida, amorosa, parceira, macia, gostosa de conviver.

Vó é tão especial, que mesmo sendo modernas, joviais e cibernéticas, não se importam nem um pouco em dividir o espaço em sua cômoda, abarrotada de frascos de perfumes e de batons vermelhos, com porta-retratos ostentando aquelas carinhas, que só ela sabe, são o maior e mais descarado amor que uma mulher é capaz de sentir.
Pediram-me um poema
Eu não escrevo poemas
Não sou poetisa
Só sei que a poesia existe
E se arranja sozinha
Nas linhas e nos desalinhos da vida
Contínua ou descontínua
Não importa
Ela só quer ser percebida
Vive em mim, em ti e por si só se basta
Não pede versos, nem rimas
Só nos pede guarida

Colcha de retalhos

Vivemos em tempos de edredons e cobertores sintéticos, mas há quem conheça a artesanal e antiga “colcha de retalhos”.
Para quem não sabe, a colcha de retalhos era, pacientemente elaborada, a partir do aproveitamento de pequenas sobras de tecidos, num tempo em que as roupas eram feitas quase que exclusivamente por habilidosas costureiras.

O tempo andava mais devagar e as mulheres ainda não trabalhavam fora de casa. Ocupavam-se com a criação dos filhos, com afazeres domésticos e nas horas vagas se esmeravam em produzir belas e trabalhosas artes manuais, entre elas a colcha de retalhos que ainda sobrevive em velhos baús de umas poucas e saudosas vovós. Uma espécie de museu particular, no mesmo lugar onde, talvez, guardem lembranças de sonhos perdidos no tempo.

A vida da gente se assemelha muito a uma colcha de retalhos. É feita de pequenos pedaços presos um ao outro, cada um com sua cor, mais ou menos macios, alegres ou tristes. O resultado depende do acabamento que damos, de como aproveitamos cada pedacinho das sobras que a vida nos dá. Cada um contém uma história, com começo, meio e fim. Alegrias, tristezas, realizações e fracassos, horas de pouco, momentos de muito. São os nossos pedaços, a riqueza pessoal de cada um, a história que se construiu. E há os retalhos que se jogou fora por desperdício ou por não se saber que um dia nos fariam falta.

Depois de um tempo pode-se visualizar a colcha de retalhos que já se conseguiu montar. Umas são coloridas, com muito vermelho, efeito de muitas paixões ou quem sabe escuras, com muitas partes onde predominaram retalhos de cor preta, demarcando os momentos inevitáveis de tristeza e dor. Mas há os retalhos brancos, talvez sobras românticas do vestido de noiva, o azul do pequeno casaquinho de bebê do nosso primeiro filho, quem sabe o retalhinho cor- de- rosa da blusinha que nossa filha vestiu no aniversário de um ano. Em um canto está o amarelo-ouro lembrando o pé de bergamotas maduras, caindo às pencas e ao alcance de nossas mãos gulosas, retalhos de felicidade infantil.

Assim, dentro de cada um existe uma colcha de retalhos. Cada vez que vem à lembrança uma história vivida é um daqueles pedacinhos que aparece mais que os outros, que se impõe e nos faz falar dele às vezes com tristeza, mas sempre com saudade.

Pois vou tirar do baú minha colcha de retalhos. Quem quiser pode olhar, mas por favor , não toquem nela nem me peçam de presente e nem de herança. Não posso dá-la a ninguém nem me desfazer dela. Vai me fazer falta quando a velhice chegar. Vai me abrigar e aquecer meus últimos invernos, afinal não é todo mundo que pode olhar e dizer “minha colcha de retalhos foi tecida com minhas próprias mãos”. Deu muito trabalho , muitos pedaços foram deixados pelo chão, mas alguns usei para secar as lágrimas que não pude evitar que caíssem enquanto eu a tecia, mas agora , depois de pronta me orgulho dela. É linda! É minha!

Godiva

Não é de Lady que falo ; é de Godiva mesmo, uma lady que mora em uma cidade bem longe da minha, mas por quem tenho um carinho canino.
Hoje soube que Godiva se feriu, coisa pouca, mas com certeza dolorosa. Deixou-se quedar , silenciosa e triste , não querendo fazer alarde que sofria. Apenas acomodou sua dor entre as almofadas do sofá da sala e , com o olhar meigo de sempre , fez de conta que curtia o aconchego macio e quente, enquanto no canto esquerdo de seus olhos quase azuis, escorria uma lágrima que ia morrer no canto da boca.

Quisera ter o dom de adivinhar o pensamento dela, nesta hora. Poderia chamar a atenção de sua dona rosnando , latindo ou andando pela casa, mas não o fez. Optou por ser discreta, ficar calada esperando o alívio chegar. Afinal, seu compromisso maior sempre foi o de cuidar para que nada atrapalhasse o bom andamento da casa. Deveria estar se sentindo impotente por não poder cumprir com suas tarefas de vigia e companheira, mas precisava de um tempo para se recuperar e, mesmo causando estranheza, permaneceu no seu inusitado repouso. Uma lady cochilando em pleno dia, sonhando , quem sabe com aquele labrador lindo que vem sempre namorá-la no portão.

Era tão fiel a sua dona que escondeu sua patinha onde faltava uma unha , arrancada não se sabe como. Um acidente, talvez, uma topada no jardim da casa. Pedras é que não faltam para tropeçar , mesmo na vida de uma bela fêmea canina, quem sabe correndo ao encontro do seu amado, latindo de amor por por ela.

Cuidada e com o carinho preocupado de sua dona, Godiva passa bem. Já não dói mais tanto o ferimento e logo terá uma unha novinha em folha . Unhas crescem novamente. Resta saber se a lágrima que rolou de seu olho quase azul foi dor por ter se machucado ou se , como toda fêmea da natureza, também sofre por amor.

Mas, infelizmente , Godiva não sabe falar a nossa língua e guardará sem que se saiba ao certo, o motivo maior que a fez tão triste.

Só nos resta cantar

“No Brasil, de uns anos para cá, o que diz respeito à educação, à moral e à ética, entre outros valores necessários ao bom andamento da convivência social foram por água-abaixo.

Isto acontece em todos os segmentos da sociedade dita organizada. Encabeçando a lista de horrores está o “entretenimento”. As emissoras de rádio e televisão, que entram sem nenhum controle em todos os lares brasileiros passam informação barata e altamente descartável sem o menor nível intelectual , pelo contrário, incentivam, não apenas o popularesco, mas também e sobretudo, privilegiam os comportamentos cada vez mais perniciosos para a população em geral, carente de valores.

Exemplo disto são as rádios, antes ouvidas com gosto por todos (eram tantas e de tão boa qualidade que ficava difícil escolher qual ouvir) hoje não possuem a mesma categoria, nem musical nem publicitária. O velho e gostoso rádio virou enfeite na estante da sala. Cadê aquelas músicas altamente selecionadas, aqueles locutores por quem a gente se apaixonava só de ouvir a voz, nossos galãs românticos?

Tudo isso trocado por custo barato, por audiência fácil. Não quero parecer elitista, mas é preciso que os gerenciadores da mídia radiofônica repensem essa questão e dê um “up” neste velho e maravilhoso meio de comunicação.
Que tal ressuscitar nossos galãs? Público de bom-gosto ainda tem, música também ou será que esta faixa de pessoas não merece consideração?

A grande maioria sustenta-se na má qualidade, nas notícias sangrentas, nos papos sem-graça, em músicas de conteúdo erótico-pornográfico, trazendo em seu bojo apologia às drogas, às traições conjugais, colocando as mulheres de forma degradante, como se não tivessem nascido de uma. Elogios aos bandidos que são descaradamente transformados em “mocinhos”, ricos, lindos e audazes.

Infelizmente temos que conviver com estes absurdos todos os dias. E a sociedade despencando, as crianças crescendo sem motivação emocional positiva, os jovens achando que matar é a coisa mais normal do mundo, roubar nem se fala, que sexo aos doze anos é normal, que sacanagem é tudo.

Total menosprezo. Pobres jovens usados como bucha de canhão na guerra pela audiência de emissoras de rádio e televisão, pelas gravadoras inescrupulosas entre outras mau-caratices do gênero. Música é algo mágico , que fala das belezas e da existência humana de maneira digna e não um amontoado de palavras que instigam violência , crimes ou festas regadas a bebida e drogas. Festa e namoro são coisas saudáveis . O que não se pode concordar é que seja veiculado na mídia o sexo banal, explícito, o comportamento promíscuo que todo mundo sabe que leva a degradação moral de um povo.

Modernidade sim, mas limites são necessários. Temos que admitir; o Brasil está na contramão e caminha na estrada errada na parte musical também.
Mas o que mais vende e mais toca nas rádios de hoje é lixo puro e o pior é que a maioria aplaude. Fazer o quê? Um país se faz com homens e livros dizia Monteiro Lobato.
Mas será que esta gente de poucos escrúpulos e nenhuma cultura sabe quem foi esse cara aí?

Poderosas

Quem gosta de liberdade tem que aprender a conviver com a solitude.
Ela pode ser uma boa companheira. Basta experimentar. Vale a pena.
Diferente da solidão que carrega o estigma de ser triste, de ter cheiro de abandono, a solitude é amena e é uma opção pessoal, coisa de mulher moderna. De mulher poderosa, como se diz por aí.

De todas as idades, mas principalmente as maduras, que já aprenderam as duras lições da vida, essas moças bonitas, charmosas e atraentes dirigem seu próprio carro comprado com o esforço de seu trabalho, viajam sozinhas, vão da cozinha ao cinema sem medo de ser feliz. Tudo isto ostentando um belo sorriso emoldurado por uma boca pintada com batom vermelho. Vestem roupas da moda, primam pela qualidade, abanam cabelos sedosos ao vento deixando atrás de si um rastro de perfume francês. Pagam suas despesas com cartões de crédito que exibem nas mesas dos bares e restaurantes onde almoçaram, jantaram ou apenas tomaram uma cervejinha gelada. Sem nenhum constrangimento por exporem ao mundo sua solitude.

Para essas sacerdotisas contemporâneas seu templo é o mundo e nele não há clausuras. Não lhes falta amigos, familiares e namorados, mas preferem dividir a alegria de viver consigo próprias e com ninguém mais, como uma espécie de desagravo às suas ancestrais amordaçadas.

Nada de egoísmo, apenas usufruir daquela sensação gostosa de”sentir-se donas de seu próprio nariz”. Já foi-se o tempo do “eu só vou se você for”. E olha que não faz tanto tempo assim que mulher nem era cidadã, não votava, não tinha CPF nem carteira de motorista. Fumar, então, era coisa de mulher-dama (como eram chamadas as prostitutas).

Beber, só refrigerante, usar calças compridas um escândalo.
Tudo coisa do passado, graças a Deus. Hoje já se pode dizer que as mulheres são livres, mesmo que ainda haja quem se preste a discordar. Concordar ou discordar é de foro íntimo, individual.
O que importa é que a roda da vida girou e faz-se necessário viver e fazer-se feliz. Correr riscos faz parte do processo. Uma geração inteira de mulheres corajosas arriscou sua reputação para que se chegasse até aqui imunes aos falatórios maldosos de poucos anos atrás.

Mulher é fêmea da natureza; livre para voar e buscar o que achar melhor para o seu momento, fazer suas escolhas, trilhar sua estrada.
É preferível colidir com um muro de concreto do que não viver.

A insustentável leveza do amor

O que mais se vê e ouve por aí é falar de amor.
Nada de novo. Sempre foi assim desde os bons tempos que só tínhamos o velho e bom rádio, música romântica invadindo corações carentes e solitários. Hoje, com a televisão mostrando amores impossíveis, paixões avassaladoras que sempre acabam dando certo no último capítulo, tudo leva ao desejo de viver essas emoções a qualquer preço. Tem ainda a Internet, que trouxe para a solidão amorosa de muitos o amor virtual. Novas tecnologias, novas possibilidades.

E o amor está cada vez mais no ar, na rede, nas ondas elétricas, cibernéticas etc. e tal. Difícil mesmo é encontrá-lo no coração das pessoas, mas isso é outra história, assunto para depois.
Hoje, depois de se ter banalizado quase tudo, inclusive a vida, o mais nobre dos sentimentos, imortal segundo muitos, vem sofrendo desse mal, coitado dele.

Confundido com paixão, alteração dos sentidos, instinto de reprodução, desejo sexual o pobre amor recebe de presente adjetivos, advérbios, vira substantivo composto para se tornar um grande amor, um amor sem fim, eterno, infinito e outros qualificativos que o justifiquem e amparem. Amor tem que rimar com dor, com flor, tem de ser doído, sofrido e, de preferência unilateral. Amor correspondido , raro, diga-se de passagem, não tem a menor graça. Amor gostoso tem que fazer sofrer, tirar o sono, e lá pelas tantas levar-se um belo pontapé no traseiro. Aí vira dor, dissabor, decepção e danos cardíacos.

Sem chance de durar para sempre esses sentimentos ditos amorosos, sucumbem na maioria das vezes. Batem de frente com outro tipo de amor, o amor - próprio, esse sim danado de se conter. Demora a se manifestar, mas quando aparece na jogada provoca reações até mesmo perigosas no amante desprezado. É o tipo mais perigoso de amor, pois se liga diretamente ao instinto de sobrevivência. Impulsionados por ele muitos sequestram, roubam e matam. Poucos conseguem sobreviver à solidão do abandono, a falta daquele amasso poderoso, daquele beijo que só o ser amado sabe dar.

E agora José?
Como viver sem os sininhos badalando nos ouvidos, a dorzinha de barriga, o friozinho no estômago. Como ouvir o Zezé Di Camargo e Luciano sem chorar? O mundo, antes primaveril e ensolarado vira em um inverno gelado e sem fim. A música mais ouvida passa a ser “Meu mundo caiu”. O ego despencou ladeira abaixo e a dor sai pelo ladrão. Um venenoso coquetel de emoções se apodera deste ser tão infeliz.

Ainda bem que dor-de-cotovelo tem cura. Um dia vem o socorro , não se sabe de onde. Deve ser do tal de amor-próprio, alerta o tempo todo, mas meio sem ação por conta da irracionalidade a que os sentimentos estavam sujeitos. E vêm os primeiros sinais de cura. Não era amor! Aleluia! Tratava-se de um sentimento forte, humano, irracional e estimulante, gostoso de sentir, mas que não se sustenta em si mesmo.O amor verdadeiro tem uma característica básica que é ser generoso, solidário e livre de dores e sofrimentos inúteis. É alegria, bem-querer e se sustenta em si mesmo.
Afora isso é pura confusão, insustentável.

O poliamor

Retomo a leitura de “A Cama na Varanda” de Regina Navarro Lins(1997), em nova edição e acrescida de mais um capítulo. O livro é fruto de pesquisa, portanto científico, nada subjetivo, apenas análise e informação. A autora é sexóloga e psicoterapeuta e se vale de estudos feitos por renomados estudiosos para fundamentar sua análise.

O livro vende como pão-quente. Pudera, o assunto interessa a todos desde homens e mulheres, até homossexuais de ambos os sexos. Aborda as tendências de como será em futuro bem próximo, as relações interpessoais no “Admirável Mundo Novo” que faz tempo, bate à nossa porta. Do homem das cavernas até o amor virtual muita água rolou e chegamos, segundo Regina, ao poliamor. É isto mesmo, poligamia ao invés de monogamia e este tipo de vivência amorosa promete.

Concebido pela geração “ficante”, no poliamor todo mundo é de todo mundo ou, se preferir, ninguém é de ninguém. Um novo império romano, a volta aos costumes tribais onde amor e sexo serão completamente desvinculados, a pluralidade de parceiros muito normal, o sexo pelo sexo, tudo sem precisar nunca mais rimar amor e dor. Não duvido nem morta. Do jeito que a coisa vai, ou melhor dito , vem vindo, o futuro será um bacanal só. A velha e boa dor-de-cotovelo tem seus dias contados.

Falência total do amor romântico, que inspirou tantos poetas , atormentou tantas almas apaixonadas e desvirtuou tantas vidas, está com prazo de validade vencido. A opção é desistir de sofrer e bandear-se para o poliamor, mais precisamente para o sofazão ou para a “web can”, revela a obra de Regina.

Solidão? Nem pensar. O poliamor supõe uma gama de variados parceiros, um para cada ocasião. Um bom de papo, outro bom de cama, alguém para viajar, passear, ir à praia, muito lazer e nenhum compromisso. Todos amigos que no dia seguinte seguem para suas vidas , felizes e satisfeitos, sem a carga do ciúme, da saudade e o consequente temor do velho “chifre” . Cada um pagando suas contas sozinho, gerindo seu dia- a- dia na mais perfeita paz emocional e com sua sexualidade resolvida.

Será que dá? A pergunta é minha e nela não há qualquer ansiedade por resposta, nem que sim, nem que não. Eu também duvidava, não faz tanto tempo , que um dia teria um computador como companhia nas noites frias de inverno ( por opção pessoal, devo dizer) que dormiria sem soníferos , que teria um número de telefone só meu e o controle remoto da televisão e da minha vida estariam nas minhas mãos.
E não é que estão?

A portabilidade do amor

Amplamente divulgada nos meios de comunicação a passeata dos “Sem Namorados”, que aconteceu no Rio de Janeiro semanas antes do dia dos que “Tem Namorados, 12 de junho de todos os anos”.

Objetivo? Encontrar a paixão de suas vidas, coisa nada nova, pois que sempre foi desejo de todos viverem um grande amor, de preferência uma paixão avassaladora. Isto é universal, pessoal e intransferível.
O mito é antigo e se sustenta no chamado “amor romântico”, uma das formas que os sentimentos entenderam por bem se manifestar.

Quem se joga na aventura da conquista amorosa está sujeito a perigosas provas, armadilhas muitas delas torturantes até. Como o estado amoroso é estimulante, anfetamínico, tem sucesso garantido e é recebido com alegria sempre que surge na vida tanto de mulheres quanto de homens. Esses, menos afoitos, mas todos em busca de sua Bela Adormecida que, depois de bem acordada irá lavar suas camisas, meias e cuecas e , de quebra, cozinhar, limpar o ninho de amor com muita paciência e um sorriso nos lábios, até que a morte ou a vida os separe .

Mas vá lá, a tortura faz parte do jogo. Ter as emoções estimuladas, para a maioria, é a tal felicidade. Viver no fio da navalha, na corda bamba, impulsiona, empurra, mas vale cuidar. Pode ser que esse impulso seja para um abismo, um precipício. Aí danou-se, mas correr riscos é aconselhável, senão a vida fica meio sem graça, dizem os entendidos.Com um pouco de sorte pode-se ultrapassar a marca de dois ou três anos, que dizem ser o prazo de validade do amor romântico, depois as baterias vão enfraquecendo até terminar a carga. Mas vivemos a modernidade, novos ares, tempos de “portabilidade”, de ficantes, namoridos, amizades coloridas e amores virtuais.

Em pouco tempo pode-se ficar novinhos em folha para participar de outras passeatas e começar tudo de novo com esperança e fé renovadas. É só trocar de operadora ou de site de relacionamento e usufruir das últimas novidades do mercado e das vantagens que a modernidade oferece.

Nada de errado em se optar por esta ou aquela forma de amor, mas sempre é bom guardar uma reserva de energia para o dia seguinte. Como toda bebida falsificada o amor romântico favorece a ressaca. Vale, entretanto viver esta emoção, até mesmo protestar em passeatas barulhentas por um amor verdadeiro, mesmo que venha numa bela embalagem com conteúdo falsificado e que o príncipe se transforme em sapo e Bela Adormecida acorde com ganas de voltar a dormir, de preferência com outro.

Saudade

“A saudade é minha dor preferida; é sinal de que a felicidade me visitou.”
A frase, é claro, não é minha, e também não sei dizer o nome do autor, a quem peço desculpas pelo lapso de memória, cada vez mais freqüente.

Mas gosto desta frase, talvez porque guardo comigo muitas lembranças, umas até bem recentes, mas que já decidi colocar no passivo. Lembranças que impulsionam o lado da memória onde se guarda a saudade. Hoje é domingo. O primeiro do ano em que a chuva cai prenunciando a chegada do inverno.

Tudo para experimentar uma tarde de introspecção e aproveitar para sentir saudade. Como diz a frase que abre este texto “saudade é dor”, mas não é dor do mal, é dor do bem. Só se sente saudade do que de bom ficou para trás e que nos oportunizou viver momentos de felicidade. Pois é, quem teve a chance de viver experimentou a felicidade. A muito poucos é dado este privilégio de sentir-se feliz. Muitos nem sequer têm consciência de quando estão vivendo seus melhores momentos e há quem não compreenda o que é realmente este estado de graça.

Sentir saudade é a certeza póstuma de que, em algum momento estivemos felizes. Pode ter sido naquele dia que tomamos banho de mar, que corremos atrás de uma bola, que dançamos até a exaustão ou que conhecemos àquela pessoa de quem nunca vamos esquecer, nosso primeiro amor, nosso melhor amigo, o nascimento de um filho, as brincadeiras na infância, entre tantos e tantos momentos de alegria e festa.

Na saudade o coração da gente se rompe, quando alguma coisa fora de nós bate com força e libera as lembranças, como esta chuva que hoje teima em cair provocando sensação de frio e de abandono.
A sensibilidade humana é assim, dicotômica, dual, inquieta e insatisfeita. Quem opta por estar só tem a vantagem de se gerir, de ocupar um espaço que se sabe conquistado a duras penas, mas está sujeito a sentimentos que espreitam silenciosos nos escaninhos escuros da nossa memória. Quase sempre saem para passear nos dias de chuva, nas tardes de domingo, como hoje.

E trazem pela mão a saudade e faz a gente sentir aquela dorzinha no peito, o coração apertado. Alguém que se foi para sempre, outro que está indo e que não conseguimos segurar, começa a fazer falta. Tudo o que pensávamos descartados para sempre das nossas vidas nos assombra em determinados momentos. Nossos sonhos desfeitos, as esperanças perdidas as separações inevitáveis.

Tudo faz sofrer, mas nada que as boas lembranças não consigam afastar, mesmo porque essas coisas são humanas e provam que temos sentimentos nobres. A saudade é nobre, mesmo que nos torne melancólicos por uma tarde. E, se esta tarde for de um domingo chuvoso e doer na gente é só pensar que amanhã o dia poderá nascer fresco e ensolarado.

Mas tudo isso são “conversas de domingo”...