15 de agosto de 2009

Medo de envelhecer

O medo de envelhecer tem suas raízes na mesma fonte de todos os demais, só que potencializado pela proximidade da possibilidade da morte. Mas, na verdade, medo é um sentimento que somos todos portadores. É mais uma das muitas barreiras que temos que ultrapassar no processo de amadurecimento, de formação psico-emocional. E é um inimigo a ser vencido. Supõe, portanto, que temos de guerrear com ele.

A culpa é outro inimigo que nos causa males incalculáveis. Livrar-se deles é aumentar a possibilidade de sermos mais felizes. Mas é do medo de envelhecer que eu quero falar. Como envelhecer em um país como o nosso, onde tudo existe em função de uma cultura da juventude eterna. A indústria e o comércio da promessa de juventude se fazem presente em tudo; nos meios de comunicação a publicidade é evidentemente voltada para o mito da juventude. Eu disse "mito" , porque a fase jovem do ser humano é a menor de todas, só perde pra infância.

A maior de todas e onde passamos a maior parte da vida é a idade adulta. è claro que a cada dia vai, gradativamente diminuindo o viço da pele e, lá pelas tantas, começamos a sentir mudanças na agilidade física, o pique, como se diz. E não fomos educados para enfrentar essas mudanças. Por isso sofremos, incentivados pela valorização da juventude eterna.

Para a maioria das mulheres, envelhecer é assunto proibido, como se isso nunca fosse acontecer. A juventude estaria, para elas, ligada possibilidade de conseguir amor, sexo e sucesso. A perda da juventude física (porque a mental não se perde) funciona como um fim de caminho, quando ainda lhes falta viver outro tanto.

Uma vez li em algum lugar que as pesquisas médico-genéticas estariam em busca de um meio de fazer com que o indivíduo cessasse o envelhecimento em torno dos quarenta anos. Ficaríamos "congelados" com a aparência de adulto jovem enquanto vivêssemos. Mas não tenho notícias de que estejam perto de conseguir essa façanha. Retardar, com cirurgias plásticas, cosméticos, muita malhação, alimentação saudável, isso sabemos que sim.

Também com a mudança dos valores culturais , permitindo que homens e mulheres se vistam de forma colorida, moderna e descontraída, nos faz ver, por aí , pessoas que conseguem parecer jovens por mais tempo. Mas isso é cultural. Hoje podemos encontrar mulheres de idade cronológica avançada , apertada em "jeans" e até de mini-saia. Conheço várias. São as inconformadas e ignorantes dos mistérios da vida. Ridículas, até. Perda de tempo,só não envelhece quem morre antes e morrer antes de viver, convenhamos, não é um bom negócio. Viver é uma tarefa que começamos na hora que nascemos e convém que se faça bem feita a lição de casa: Aprender a viver... a entender a vida como um ciclo, etapa por etapa e com todos os encantos que cada uma traz consigo.

Não "aprender" essa liçãozinha básica é condenar-se à desolação além de deixar escapar as muitas compensações que temos quando estamos mais avançados nos anos vividos. Uma tristeza misturada com desesperança, com generosas pitadas de decepção é o que fica no íntimo de quem ignora que terá de envelhecer um dia e morrer depois.É uma sensação de fim de caminho. Com ela vem o desânimo, o desamor e tudo desvirtuam. A vida perde o foco, a graça já não tem graça, o mundo fica branco e preto. A desolação é a consciência de que o tempo passou e fomos excluídos de viver o futuro. Só sobra o hoje, um resto de vida que se chama presente e que amanhã já será passado.

É chegada a hora de contabilizar as perdas e os ganhos. Perdemos o desejo, a paixão e o entusiasmo. Fogo baixo, lembranças em alta. Mas será que é assim mesmo? Até por aí. Tem muita vida debaixo do sol; é só olhar bem que, com certeza, vamos enxergar. Melhor seria contabilizar os ganhos, por mais difícil que possa ser a tarefa. A vida vivida é ganho sobre a morte prematura.

Sempre que penso nisto lembro de quem nem teve a chance de viver. Que lindas são as histórias que os mais velhos têm guardadas na memória e podem contar aos mais jovens. São testemunhas oculares. Viram a vida acontecer, foram abençoados com filhos e netos. De nada adianta se queixar que não podem mais dançar porque as pernas não agüentam. Dance do mesmo jeito, devagar, no ritmo de seu tempo. Desistir de continuar buscando felicidade é condenar-se à depressão, é ingratidão com quem lhe deu a vida, é condenação.

Posso garantir às jovens, que aprendi que a os arroubos da juventude nos fazem sofrer. As paixões avassaladoras, os desejos desenfreados não devem deixar de serem vividos, mas que aos poucos vão vão sendo, sutilmente, substituídos por sabedoria, sossego, paz interior e desapego às coisas mais mundanas. E tem a alegria que cada neto nos traz, a substituição de paixões por amores verdadeiros, por segurança emocional e pelo controle de si mesmo e força nas mãos para segurar as rédeas dos cavalos selvagens que habitam em nós e que domamos , uns com muita dor , outros com muito amor.

Vovó @.com

Além do manejo perfeito das palavras, não há como desvincular o texto da serena figura da escritora, com aquele jeito de avó. FofinhaRaquel de Queiroz me encanta sempre que leio “A arte de ser avó”, que mais parece uma declaração de amor do que uma crônica, de óculos, sorriso complacente, meiguice e doce cumplicidade. Vovó como mandava o figurino. Como foi a minha e a de tantas vovós de hoje.

Pois é, como tudo mudou com a aceleração da modernidade, as avós mudaram também. Não no mais importante, creio eu, que é no quesito amor maternal elevado à potência dez, mas na forma como esta relação tão especial acontece entre netinhos e vovós nos tempos de @.com.

Mudaram as avós ou mudaram os netos? Inclino-me a afirmar que a mudança maior atingiu as avós. Simples, as mulheres mudaram e isso independe do grau que ocupam na hierarquia familiar. Dos vinte aos oitenta os cosméticos, a academia, o vestuário muda muito pouco. Os hábitos também. Não causaria nenhuma surpresa encontrar a avó curtindo a mesma balada que a neta, visitando a mesmas lojas de jeans, fazendo o maior sucesso nas rodinhas de conversa.

Afora as experiências e histórias que compartilham com os jovens sem nenhum constrangimento. Tem ainda a confiança inabalável e o prestígio que uma avó possui com seus netos. Mãe é para educar, reprimir , colocar limites, dizer não, impedir. Vó não, esta é para defender, dar cobertura às peraltices que mãe não tolera, ouvir segredinhos (e guardá-los), alcançar aquele dinheirinho extra, comprar e dar de presente um tênis de marca que o neto nem precisava, sercúmplice do namorinho escondido e até permitir que os pombinhos se encontrem na sua casa, sem que os pais desconfiem nem em sonho.

E avós modernas têm Orkut, sabem usar o computador, fumam, namoram e dirigem automóvel. São tão arteiras como os netos. Gostam de música, de filmes de ficção científica e adoram comer porcarias, de preferência no schoping. Não que não encarem a cozinha para satisfazer a gula dos marotos. Muitos bolos, chocolates e brigadeiros no melhor estilo abre-embalagens de semi- prontos, melhora a classificação da vovó no ranking e no prestígio familiar.

E o que é melhor em tudo isso é que essa vó moderna é fofa também, mesmo não tendo nada de matrona ela dá colo gostoso, abriga na sua cama, faz chá de camomila e curte a dor-de-cotovelo, sempre que essa desgraça acontece com seus netos. Muitos dizem “minha vó é uma fofa”, querendo dizer querida, amorosa, parceira, macia, gostosa de conviver.

Vó é tão especial, que mesmo sendo modernas, joviais e cibernéticas, não se importam nem um pouco em dividir o espaço em sua cômoda, abarrotada de frascos de perfumes e de batons vermelhos, com porta-retratos ostentando aquelas carinhas, que só ela sabe, são o maior e mais descarado amor que uma mulher é capaz de sentir.
Pediram-me um poema
Eu não escrevo poemas
Não sou poetisa
Só sei que a poesia existe
E se arranja sozinha
Nas linhas e nos desalinhos da vida
Contínua ou descontínua
Não importa
Ela só quer ser percebida
Vive em mim, em ti e por si só se basta
Não pede versos, nem rimas
Só nos pede guarida

Colcha de retalhos

Vivemos em tempos de edredons e cobertores sintéticos, mas há quem conheça a artesanal e antiga “colcha de retalhos”.
Para quem não sabe, a colcha de retalhos era, pacientemente elaborada, a partir do aproveitamento de pequenas sobras de tecidos, num tempo em que as roupas eram feitas quase que exclusivamente por habilidosas costureiras.

O tempo andava mais devagar e as mulheres ainda não trabalhavam fora de casa. Ocupavam-se com a criação dos filhos, com afazeres domésticos e nas horas vagas se esmeravam em produzir belas e trabalhosas artes manuais, entre elas a colcha de retalhos que ainda sobrevive em velhos baús de umas poucas e saudosas vovós. Uma espécie de museu particular, no mesmo lugar onde, talvez, guardem lembranças de sonhos perdidos no tempo.

A vida da gente se assemelha muito a uma colcha de retalhos. É feita de pequenos pedaços presos um ao outro, cada um com sua cor, mais ou menos macios, alegres ou tristes. O resultado depende do acabamento que damos, de como aproveitamos cada pedacinho das sobras que a vida nos dá. Cada um contém uma história, com começo, meio e fim. Alegrias, tristezas, realizações e fracassos, horas de pouco, momentos de muito. São os nossos pedaços, a riqueza pessoal de cada um, a história que se construiu. E há os retalhos que se jogou fora por desperdício ou por não se saber que um dia nos fariam falta.

Depois de um tempo pode-se visualizar a colcha de retalhos que já se conseguiu montar. Umas são coloridas, com muito vermelho, efeito de muitas paixões ou quem sabe escuras, com muitas partes onde predominaram retalhos de cor preta, demarcando os momentos inevitáveis de tristeza e dor. Mas há os retalhos brancos, talvez sobras românticas do vestido de noiva, o azul do pequeno casaquinho de bebê do nosso primeiro filho, quem sabe o retalhinho cor- de- rosa da blusinha que nossa filha vestiu no aniversário de um ano. Em um canto está o amarelo-ouro lembrando o pé de bergamotas maduras, caindo às pencas e ao alcance de nossas mãos gulosas, retalhos de felicidade infantil.

Assim, dentro de cada um existe uma colcha de retalhos. Cada vez que vem à lembrança uma história vivida é um daqueles pedacinhos que aparece mais que os outros, que se impõe e nos faz falar dele às vezes com tristeza, mas sempre com saudade.

Pois vou tirar do baú minha colcha de retalhos. Quem quiser pode olhar, mas por favor , não toquem nela nem me peçam de presente e nem de herança. Não posso dá-la a ninguém nem me desfazer dela. Vai me fazer falta quando a velhice chegar. Vai me abrigar e aquecer meus últimos invernos, afinal não é todo mundo que pode olhar e dizer “minha colcha de retalhos foi tecida com minhas próprias mãos”. Deu muito trabalho , muitos pedaços foram deixados pelo chão, mas alguns usei para secar as lágrimas que não pude evitar que caíssem enquanto eu a tecia, mas agora , depois de pronta me orgulho dela. É linda! É minha!

Godiva

Não é de Lady que falo ; é de Godiva mesmo, uma lady que mora em uma cidade bem longe da minha, mas por quem tenho um carinho canino.
Hoje soube que Godiva se feriu, coisa pouca, mas com certeza dolorosa. Deixou-se quedar , silenciosa e triste , não querendo fazer alarde que sofria. Apenas acomodou sua dor entre as almofadas do sofá da sala e , com o olhar meigo de sempre , fez de conta que curtia o aconchego macio e quente, enquanto no canto esquerdo de seus olhos quase azuis, escorria uma lágrima que ia morrer no canto da boca.

Quisera ter o dom de adivinhar o pensamento dela, nesta hora. Poderia chamar a atenção de sua dona rosnando , latindo ou andando pela casa, mas não o fez. Optou por ser discreta, ficar calada esperando o alívio chegar. Afinal, seu compromisso maior sempre foi o de cuidar para que nada atrapalhasse o bom andamento da casa. Deveria estar se sentindo impotente por não poder cumprir com suas tarefas de vigia e companheira, mas precisava de um tempo para se recuperar e, mesmo causando estranheza, permaneceu no seu inusitado repouso. Uma lady cochilando em pleno dia, sonhando , quem sabe com aquele labrador lindo que vem sempre namorá-la no portão.

Era tão fiel a sua dona que escondeu sua patinha onde faltava uma unha , arrancada não se sabe como. Um acidente, talvez, uma topada no jardim da casa. Pedras é que não faltam para tropeçar , mesmo na vida de uma bela fêmea canina, quem sabe correndo ao encontro do seu amado, latindo de amor por por ela.

Cuidada e com o carinho preocupado de sua dona, Godiva passa bem. Já não dói mais tanto o ferimento e logo terá uma unha novinha em folha . Unhas crescem novamente. Resta saber se a lágrima que rolou de seu olho quase azul foi dor por ter se machucado ou se , como toda fêmea da natureza, também sofre por amor.

Mas, infelizmente , Godiva não sabe falar a nossa língua e guardará sem que se saiba ao certo, o motivo maior que a fez tão triste.

Só nos resta cantar

“No Brasil, de uns anos para cá, o que diz respeito à educação, à moral e à ética, entre outros valores necessários ao bom andamento da convivência social foram por água-abaixo.

Isto acontece em todos os segmentos da sociedade dita organizada. Encabeçando a lista de horrores está o “entretenimento”. As emissoras de rádio e televisão, que entram sem nenhum controle em todos os lares brasileiros passam informação barata e altamente descartável sem o menor nível intelectual , pelo contrário, incentivam, não apenas o popularesco, mas também e sobretudo, privilegiam os comportamentos cada vez mais perniciosos para a população em geral, carente de valores.

Exemplo disto são as rádios, antes ouvidas com gosto por todos (eram tantas e de tão boa qualidade que ficava difícil escolher qual ouvir) hoje não possuem a mesma categoria, nem musical nem publicitária. O velho e gostoso rádio virou enfeite na estante da sala. Cadê aquelas músicas altamente selecionadas, aqueles locutores por quem a gente se apaixonava só de ouvir a voz, nossos galãs românticos?

Tudo isso trocado por custo barato, por audiência fácil. Não quero parecer elitista, mas é preciso que os gerenciadores da mídia radiofônica repensem essa questão e dê um “up” neste velho e maravilhoso meio de comunicação.
Que tal ressuscitar nossos galãs? Público de bom-gosto ainda tem, música também ou será que esta faixa de pessoas não merece consideração?

A grande maioria sustenta-se na má qualidade, nas notícias sangrentas, nos papos sem-graça, em músicas de conteúdo erótico-pornográfico, trazendo em seu bojo apologia às drogas, às traições conjugais, colocando as mulheres de forma degradante, como se não tivessem nascido de uma. Elogios aos bandidos que são descaradamente transformados em “mocinhos”, ricos, lindos e audazes.

Infelizmente temos que conviver com estes absurdos todos os dias. E a sociedade despencando, as crianças crescendo sem motivação emocional positiva, os jovens achando que matar é a coisa mais normal do mundo, roubar nem se fala, que sexo aos doze anos é normal, que sacanagem é tudo.

Total menosprezo. Pobres jovens usados como bucha de canhão na guerra pela audiência de emissoras de rádio e televisão, pelas gravadoras inescrupulosas entre outras mau-caratices do gênero. Música é algo mágico , que fala das belezas e da existência humana de maneira digna e não um amontoado de palavras que instigam violência , crimes ou festas regadas a bebida e drogas. Festa e namoro são coisas saudáveis . O que não se pode concordar é que seja veiculado na mídia o sexo banal, explícito, o comportamento promíscuo que todo mundo sabe que leva a degradação moral de um povo.

Modernidade sim, mas limites são necessários. Temos que admitir; o Brasil está na contramão e caminha na estrada errada na parte musical também.
Mas o que mais vende e mais toca nas rádios de hoje é lixo puro e o pior é que a maioria aplaude. Fazer o quê? Um país se faz com homens e livros dizia Monteiro Lobato.
Mas será que esta gente de poucos escrúpulos e nenhuma cultura sabe quem foi esse cara aí?

Poderosas

Quem gosta de liberdade tem que aprender a conviver com a solitude.
Ela pode ser uma boa companheira. Basta experimentar. Vale a pena.
Diferente da solidão que carrega o estigma de ser triste, de ter cheiro de abandono, a solitude é amena e é uma opção pessoal, coisa de mulher moderna. De mulher poderosa, como se diz por aí.

De todas as idades, mas principalmente as maduras, que já aprenderam as duras lições da vida, essas moças bonitas, charmosas e atraentes dirigem seu próprio carro comprado com o esforço de seu trabalho, viajam sozinhas, vão da cozinha ao cinema sem medo de ser feliz. Tudo isto ostentando um belo sorriso emoldurado por uma boca pintada com batom vermelho. Vestem roupas da moda, primam pela qualidade, abanam cabelos sedosos ao vento deixando atrás de si um rastro de perfume francês. Pagam suas despesas com cartões de crédito que exibem nas mesas dos bares e restaurantes onde almoçaram, jantaram ou apenas tomaram uma cervejinha gelada. Sem nenhum constrangimento por exporem ao mundo sua solitude.

Para essas sacerdotisas contemporâneas seu templo é o mundo e nele não há clausuras. Não lhes falta amigos, familiares e namorados, mas preferem dividir a alegria de viver consigo próprias e com ninguém mais, como uma espécie de desagravo às suas ancestrais amordaçadas.

Nada de egoísmo, apenas usufruir daquela sensação gostosa de”sentir-se donas de seu próprio nariz”. Já foi-se o tempo do “eu só vou se você for”. E olha que não faz tanto tempo assim que mulher nem era cidadã, não votava, não tinha CPF nem carteira de motorista. Fumar, então, era coisa de mulher-dama (como eram chamadas as prostitutas).

Beber, só refrigerante, usar calças compridas um escândalo.
Tudo coisa do passado, graças a Deus. Hoje já se pode dizer que as mulheres são livres, mesmo que ainda haja quem se preste a discordar. Concordar ou discordar é de foro íntimo, individual.
O que importa é que a roda da vida girou e faz-se necessário viver e fazer-se feliz. Correr riscos faz parte do processo. Uma geração inteira de mulheres corajosas arriscou sua reputação para que se chegasse até aqui imunes aos falatórios maldosos de poucos anos atrás.

Mulher é fêmea da natureza; livre para voar e buscar o que achar melhor para o seu momento, fazer suas escolhas, trilhar sua estrada.
É preferível colidir com um muro de concreto do que não viver.

A insustentável leveza do amor

O que mais se vê e ouve por aí é falar de amor.
Nada de novo. Sempre foi assim desde os bons tempos que só tínhamos o velho e bom rádio, música romântica invadindo corações carentes e solitários. Hoje, com a televisão mostrando amores impossíveis, paixões avassaladoras que sempre acabam dando certo no último capítulo, tudo leva ao desejo de viver essas emoções a qualquer preço. Tem ainda a Internet, que trouxe para a solidão amorosa de muitos o amor virtual. Novas tecnologias, novas possibilidades.

E o amor está cada vez mais no ar, na rede, nas ondas elétricas, cibernéticas etc. e tal. Difícil mesmo é encontrá-lo no coração das pessoas, mas isso é outra história, assunto para depois.
Hoje, depois de se ter banalizado quase tudo, inclusive a vida, o mais nobre dos sentimentos, imortal segundo muitos, vem sofrendo desse mal, coitado dele.

Confundido com paixão, alteração dos sentidos, instinto de reprodução, desejo sexual o pobre amor recebe de presente adjetivos, advérbios, vira substantivo composto para se tornar um grande amor, um amor sem fim, eterno, infinito e outros qualificativos que o justifiquem e amparem. Amor tem que rimar com dor, com flor, tem de ser doído, sofrido e, de preferência unilateral. Amor correspondido , raro, diga-se de passagem, não tem a menor graça. Amor gostoso tem que fazer sofrer, tirar o sono, e lá pelas tantas levar-se um belo pontapé no traseiro. Aí vira dor, dissabor, decepção e danos cardíacos.

Sem chance de durar para sempre esses sentimentos ditos amorosos, sucumbem na maioria das vezes. Batem de frente com outro tipo de amor, o amor - próprio, esse sim danado de se conter. Demora a se manifestar, mas quando aparece na jogada provoca reações até mesmo perigosas no amante desprezado. É o tipo mais perigoso de amor, pois se liga diretamente ao instinto de sobrevivência. Impulsionados por ele muitos sequestram, roubam e matam. Poucos conseguem sobreviver à solidão do abandono, a falta daquele amasso poderoso, daquele beijo que só o ser amado sabe dar.

E agora José?
Como viver sem os sininhos badalando nos ouvidos, a dorzinha de barriga, o friozinho no estômago. Como ouvir o Zezé Di Camargo e Luciano sem chorar? O mundo, antes primaveril e ensolarado vira em um inverno gelado e sem fim. A música mais ouvida passa a ser “Meu mundo caiu”. O ego despencou ladeira abaixo e a dor sai pelo ladrão. Um venenoso coquetel de emoções se apodera deste ser tão infeliz.

Ainda bem que dor-de-cotovelo tem cura. Um dia vem o socorro , não se sabe de onde. Deve ser do tal de amor-próprio, alerta o tempo todo, mas meio sem ação por conta da irracionalidade a que os sentimentos estavam sujeitos. E vêm os primeiros sinais de cura. Não era amor! Aleluia! Tratava-se de um sentimento forte, humano, irracional e estimulante, gostoso de sentir, mas que não se sustenta em si mesmo.O amor verdadeiro tem uma característica básica que é ser generoso, solidário e livre de dores e sofrimentos inúteis. É alegria, bem-querer e se sustenta em si mesmo.
Afora isso é pura confusão, insustentável.

O poliamor

Retomo a leitura de “A Cama na Varanda” de Regina Navarro Lins(1997), em nova edição e acrescida de mais um capítulo. O livro é fruto de pesquisa, portanto científico, nada subjetivo, apenas análise e informação. A autora é sexóloga e psicoterapeuta e se vale de estudos feitos por renomados estudiosos para fundamentar sua análise.

O livro vende como pão-quente. Pudera, o assunto interessa a todos desde homens e mulheres, até homossexuais de ambos os sexos. Aborda as tendências de como será em futuro bem próximo, as relações interpessoais no “Admirável Mundo Novo” que faz tempo, bate à nossa porta. Do homem das cavernas até o amor virtual muita água rolou e chegamos, segundo Regina, ao poliamor. É isto mesmo, poligamia ao invés de monogamia e este tipo de vivência amorosa promete.

Concebido pela geração “ficante”, no poliamor todo mundo é de todo mundo ou, se preferir, ninguém é de ninguém. Um novo império romano, a volta aos costumes tribais onde amor e sexo serão completamente desvinculados, a pluralidade de parceiros muito normal, o sexo pelo sexo, tudo sem precisar nunca mais rimar amor e dor. Não duvido nem morta. Do jeito que a coisa vai, ou melhor dito , vem vindo, o futuro será um bacanal só. A velha e boa dor-de-cotovelo tem seus dias contados.

Falência total do amor romântico, que inspirou tantos poetas , atormentou tantas almas apaixonadas e desvirtuou tantas vidas, está com prazo de validade vencido. A opção é desistir de sofrer e bandear-se para o poliamor, mais precisamente para o sofazão ou para a “web can”, revela a obra de Regina.

Solidão? Nem pensar. O poliamor supõe uma gama de variados parceiros, um para cada ocasião. Um bom de papo, outro bom de cama, alguém para viajar, passear, ir à praia, muito lazer e nenhum compromisso. Todos amigos que no dia seguinte seguem para suas vidas , felizes e satisfeitos, sem a carga do ciúme, da saudade e o consequente temor do velho “chifre” . Cada um pagando suas contas sozinho, gerindo seu dia- a- dia na mais perfeita paz emocional e com sua sexualidade resolvida.

Será que dá? A pergunta é minha e nela não há qualquer ansiedade por resposta, nem que sim, nem que não. Eu também duvidava, não faz tanto tempo , que um dia teria um computador como companhia nas noites frias de inverno ( por opção pessoal, devo dizer) que dormiria sem soníferos , que teria um número de telefone só meu e o controle remoto da televisão e da minha vida estariam nas minhas mãos.
E não é que estão?

A portabilidade do amor

Amplamente divulgada nos meios de comunicação a passeata dos “Sem Namorados”, que aconteceu no Rio de Janeiro semanas antes do dia dos que “Tem Namorados, 12 de junho de todos os anos”.

Objetivo? Encontrar a paixão de suas vidas, coisa nada nova, pois que sempre foi desejo de todos viverem um grande amor, de preferência uma paixão avassaladora. Isto é universal, pessoal e intransferível.
O mito é antigo e se sustenta no chamado “amor romântico”, uma das formas que os sentimentos entenderam por bem se manifestar.

Quem se joga na aventura da conquista amorosa está sujeito a perigosas provas, armadilhas muitas delas torturantes até. Como o estado amoroso é estimulante, anfetamínico, tem sucesso garantido e é recebido com alegria sempre que surge na vida tanto de mulheres quanto de homens. Esses, menos afoitos, mas todos em busca de sua Bela Adormecida que, depois de bem acordada irá lavar suas camisas, meias e cuecas e , de quebra, cozinhar, limpar o ninho de amor com muita paciência e um sorriso nos lábios, até que a morte ou a vida os separe .

Mas vá lá, a tortura faz parte do jogo. Ter as emoções estimuladas, para a maioria, é a tal felicidade. Viver no fio da navalha, na corda bamba, impulsiona, empurra, mas vale cuidar. Pode ser que esse impulso seja para um abismo, um precipício. Aí danou-se, mas correr riscos é aconselhável, senão a vida fica meio sem graça, dizem os entendidos.Com um pouco de sorte pode-se ultrapassar a marca de dois ou três anos, que dizem ser o prazo de validade do amor romântico, depois as baterias vão enfraquecendo até terminar a carga. Mas vivemos a modernidade, novos ares, tempos de “portabilidade”, de ficantes, namoridos, amizades coloridas e amores virtuais.

Em pouco tempo pode-se ficar novinhos em folha para participar de outras passeatas e começar tudo de novo com esperança e fé renovadas. É só trocar de operadora ou de site de relacionamento e usufruir das últimas novidades do mercado e das vantagens que a modernidade oferece.

Nada de errado em se optar por esta ou aquela forma de amor, mas sempre é bom guardar uma reserva de energia para o dia seguinte. Como toda bebida falsificada o amor romântico favorece a ressaca. Vale, entretanto viver esta emoção, até mesmo protestar em passeatas barulhentas por um amor verdadeiro, mesmo que venha numa bela embalagem com conteúdo falsificado e que o príncipe se transforme em sapo e Bela Adormecida acorde com ganas de voltar a dormir, de preferência com outro.

Saudade

“A saudade é minha dor preferida; é sinal de que a felicidade me visitou.”
A frase, é claro, não é minha, e também não sei dizer o nome do autor, a quem peço desculpas pelo lapso de memória, cada vez mais freqüente.

Mas gosto desta frase, talvez porque guardo comigo muitas lembranças, umas até bem recentes, mas que já decidi colocar no passivo. Lembranças que impulsionam o lado da memória onde se guarda a saudade. Hoje é domingo. O primeiro do ano em que a chuva cai prenunciando a chegada do inverno.

Tudo para experimentar uma tarde de introspecção e aproveitar para sentir saudade. Como diz a frase que abre este texto “saudade é dor”, mas não é dor do mal, é dor do bem. Só se sente saudade do que de bom ficou para trás e que nos oportunizou viver momentos de felicidade. Pois é, quem teve a chance de viver experimentou a felicidade. A muito poucos é dado este privilégio de sentir-se feliz. Muitos nem sequer têm consciência de quando estão vivendo seus melhores momentos e há quem não compreenda o que é realmente este estado de graça.

Sentir saudade é a certeza póstuma de que, em algum momento estivemos felizes. Pode ter sido naquele dia que tomamos banho de mar, que corremos atrás de uma bola, que dançamos até a exaustão ou que conhecemos àquela pessoa de quem nunca vamos esquecer, nosso primeiro amor, nosso melhor amigo, o nascimento de um filho, as brincadeiras na infância, entre tantos e tantos momentos de alegria e festa.

Na saudade o coração da gente se rompe, quando alguma coisa fora de nós bate com força e libera as lembranças, como esta chuva que hoje teima em cair provocando sensação de frio e de abandono.
A sensibilidade humana é assim, dicotômica, dual, inquieta e insatisfeita. Quem opta por estar só tem a vantagem de se gerir, de ocupar um espaço que se sabe conquistado a duras penas, mas está sujeito a sentimentos que espreitam silenciosos nos escaninhos escuros da nossa memória. Quase sempre saem para passear nos dias de chuva, nas tardes de domingo, como hoje.

E trazem pela mão a saudade e faz a gente sentir aquela dorzinha no peito, o coração apertado. Alguém que se foi para sempre, outro que está indo e que não conseguimos segurar, começa a fazer falta. Tudo o que pensávamos descartados para sempre das nossas vidas nos assombra em determinados momentos. Nossos sonhos desfeitos, as esperanças perdidas as separações inevitáveis.

Tudo faz sofrer, mas nada que as boas lembranças não consigam afastar, mesmo porque essas coisas são humanas e provam que temos sentimentos nobres. A saudade é nobre, mesmo que nos torne melancólicos por uma tarde. E, se esta tarde for de um domingo chuvoso e doer na gente é só pensar que amanhã o dia poderá nascer fresco e ensolarado.

Mas tudo isso são “conversas de domingo”...

A noite em que fui embora

“ Hoje eu sei por que a um tempo atrás eu não fui embora. Não fui por que não queria sentir a dor que estou sentindo agora. “

Noites frias de inverno conseguem ser as mais tristes e por isso as mais adequadas para chorar, andar por ruas vazias e sentir o verdadeiro sentido do que é solidão. São noites de ir embora.

Solidão existe sim. É quando algo se rompe, se perde, se esvai. Ficar só não é a solidão absoluta. Solidão é dor, é rompimento, é deixar de ter para sempre. É vazio que fica quando perdemos um pedaço de nós que nunca mais nos será devolvido. É perda total. Deve ser por isso que dói tanto.

Não é que não soubesse qual seria a sensação da dor. Sabia, mas não queria sentir. Agarrava a esperança e ela fugia. A esperança ficou cansada e se recolheu. Foi enfraquecendo e caiu prostrada, desistiu antes que se tornasse desmoralizada. Deu um basta, abandonando a luta a muito perdida. Rompimento, separação, dor e tudo sem esperança. Sufocante. Um pedaço inteiro do peito fora cortado, esmagado, sem piedade.

E era noite de inverno, sem ninguém naquelas ruas estranhas, sem gente e de casas fechadas. Só os faróis de poucos carros passando sem saber que tanta dor queria pegar carona pra bem longe dali. Medo, agonia e raiva, certo alívio aquietava a alma. Estava tudo chegando aos minutos finais. O jogo acabara sem vencedor. Todos haviam perdido um pouco de si, um pedaço irrecuperável de vida.

Nada poderia ser resgatado. Um amor condenado à morte pela insensatez, pelo preconceito, pela falta de coragem. Morto e andando sem rumo pelas ruas mortas daquela cidadezinha sem nenhum sentido. Morrendo só, sem ninguém que lhe segurasse a mão, sem tiro nem facada. Morrendo de inanição, de fraqueza, de fome ou porque não era de verdade, não era tão amor assim.

Mas como sabia doer, como sabia chorar. E se doía e chorava é porque era, porque foi e só estava indo embora desse jeito porque estava esgotado, cansado de querer ser sem poder ser. E se perguntando e se martirizando, com a certeza que seria um pouco eterno. Essa era a pior parte, ficar no eterno sem poder se libertar. Ficaria para sempre vagando naquelas ruelas frias ou se tornaria lembrança ou esquecimento? Qualquer coisa que não doesse tanto. Cicatrizes talvez, uma marca que ficasse para sempre, mas que não machucasse daquele jeito.

Antecipava a certeza de que sentiria para sempre o seu cheiro, que as marcas de suas mãos ficariam em mim enquanto eu vivesse. Cruel e insensato, mas por mais que não se deseje, o outro faz parte dessa engrenagem um tanto sórdida que nem mesmo a gente deseja se livrar. Vira saudade, esquecimento do que não se quer lembrar e nas noites frias sentimos a falta do calor dos corpos se misturando, se ajudando a aquecer.

É, vai virar saudade. Amor vira saudade sempre. Dorzinha perigosa de sentir. Perigosa demais. Dá vontade de voltar atrás, mesmo sabendo que nada será diferente do que foi, do que nos trouxe até aqui, a esta ruazinha deserta nesta noite fria, a esta dor sem volta, a esse tormento tirânico e insensato.
Eu não quis seguir com ele, mas sei que vai me fazer falta, que não vou nunca mais viver um amor como esse, que esgotei minha capacidade de me fundir com quem quer que seja.

Vou ter que aprender a ocupar esse espaço tão grande e tão vazio que ficou no meu peito, queimando e ardendo feito brasa.
E cheguei ao fim do caminho. Já vejo algumas janelas e portas abertas. Estou voltando para onde comecei. Logo estarei em casa . Amanhã será outro dia, quem sabe haverá sol e caminharei pelas ruas conhecidas da minha cidade, sem medo e sem sentir a dor que estou sentindo agora.

A mulher da minha vida

Ela foi a síntese de todas as mulheres que já conheci. A mulher da minha vida.
É isso mesmo. Não se tem só o “homem da vida”, mas também a “mulher”.
Permitam-me falar dela que, mesmo sendo um afeto muito pessoal, quero que todos a conheçam. A mulher que construiu meus alicerces e de toda sua descendência.

E ela ainda vive, basta procurá-la nas mãos doceiras e no jeito especial de ser mãe e avó de Eloísa; no olhar meio que severo e na fidelidade trabalhadora de Diana; na firmeza geniosa de Eliana e, em mim, em tudo que consigo ser de melhor.

Impossível se igualar a ela. Era e será sempre única, por isto imortal, feita de atitudes grandiosas e intransferíveis. Uma guerreira que viveu quase um século com dignidade e coragem. Comigo mais de quarenta anos de amparo, amor e doação. Um exemplo de vida, Com ela todos se sentiam especiais. Sabia validar cada um com a palavra certa. De porte pequeno e magro, comia pouco, quase nada, mas produzia fartura com suas mãos calejadas pelo trabalho árduo de todos os dias, sem se queixar.

Depois que ela se foi nunca mais o pão teve gosto de erva-doce, como o que ela fazia no forno à lenha, nem os doces cuidadosamente elaborados, sempre em fogo baixo para não queimar, ensinava ela. Nossos filhos, seus bisnetos, todos foram enrolados em mantas de crochê tecidas cuidadosamente, ponto-a-ponto nas poucas horas que dispunha para descansar.

Tirava da terra quase tudo de que precisava para o sustento da grande família de quem era matriarca. Tudo que vinha dela era repassado de amor, carinho e doação. Poucas vezes a vi chorar. Não queria nos atingir com a própria tristeza para que nada nos perturbasse. Sentia-se responsável por nós, como zeladora incansável. E era.

Quando ficávamos doentes , com um simples chá de erva-cidreira, um escalda-pés e um paninho quente no lugar da dor , nos deixava curados, prontos para voltarmos às travessuras no dia seguinte, como num passe de mágica. A magia da cura instantânea vinha do amor que colocava em tudo que fazia. Na verdade era o poder do amor e da confiança que tínhamos que assim estava certo e pronto.

Quando penso nela como mulher, não consigo colocá-la em nenhum parâmetro feminino que conheço. Foi mulher de um homem só e muito jovem perdeu seu amado. Falava dele e nos contava como era. Sem saber preparou nossa memória para que um dia pudéssemos contar aos nossos descendentes de onde viemos. Foi fiel à sua memória enquanto viveu. Não conheceu a vaidade, era simples no trajar e na forma de pentear os cabelos presos à nuca, brancos e lisos.

Se eu ficar falando nela, na vida que viveu, da fortaleza sensível que era, de seu legado de amor, com certeza teria que escrever um livro com muitas e muitas páginas. Acho que não conseguiria fazê-lo. Apenas quero homenagear esta mulher, que foi a mulher da minha vida e a sorte que tive em tê-la ao meu lado.

É justo que dedique a ela a singeleza do meu primeiro livro, à vó Geca, que mesmo sabendo apenas desenhar seu nome foi minha primeira professora e me ensinou, numa antiga lousa que fora dela a muitos anos, como escrever letra por letra todo o alfabeto.

Vó te dou de presente minhas “CONVERSAS DE DOMINGO”.

Conversas de domingo

Conversas de domingo
Uma coisa é o que se é, outra é o que os outros pensam que somos e outra é o pensamos que somos . Isso dá a dimensão da complexidade humana.
Conhecer-se é uma tarefa muito complicada. Para muitos até impossível, pois demanda em se estar aberto à visão dos nossos próprios defeitos, coisas que não gostamos de admitir , principalmente diante dos outros , mas também para nós mesmos. Nossa tendência é sermos complacentes com nossos defeitos e ver nossas qualidades em primeiro lugar. Isso nos torna vulneráveis. Somos educados para o certo e o errado e aí a flexibilidade é mínima .Aquilo que nos ensinam desde a infância é a mala pesada que carregamos pela vida afora. Chega a hora que o peso torna-se insuportável e precisamos aliviar a bagagem, senão como viver?

Poucas são as pessoas que conseguem buscar dentro de si a coragem suficiente para aliviar esse peso, transformado com o tempo em culpas e medos, dois perigosos acompanhantes que nos perseguem por toda vida. Quanto mais culpas mais medos. É o terror instalado nas pessoas impedindo-as de viver suas experiências, de usufruir de seu direito à liberdade e consequentemente de serem felizes;
Foi assim comigo e acredito ser com todo mundo.
Tive que aprender a diminuir a carga da minha mala. Muitas vezes me desfiz de peças que mais tarde percebi que faziam falta, mas só restava perguntar a mim mesma em que ponto do caminho eu as havia jogado fora e em que lugar estariam hoje e, se as encontrasse, qual seria o estrago que o tempo fizera nelas.. Melhor seguir adiante e tentar acertar. Eu disse "tentar”, pois é isso que se faz. É muito difícil ter –se certeza do caminho a seguir , da escolha melhor a ser feita em dado momento.

Há quem diga "que a vida é simples como um copo d'água" mas os conceitos que a educação nos impõe não nos permitem essa simplicidade toda. Acabamos por nos enredar na teia que primeiro nos é imposta e depois nós mesmos a reforçamos, com receio da opinião dos outros a nosso respeito. Uma das primeiras lições que nos ministram é a da subserviência , como se nossa sobrevivência dependesse do que pensam ou deixaram de pensar sobre nós. Livrar-se disto é onde reside a diferença que fará com que o resultado se altere mesmo que a longo prazo. E assim a vida vai se desenrolando.

O tempo passa , as marcas que ele deixa em nosso rosto aumentam, a mala até já não nos parece mais tão pesada.Mesmo que nossas forças já não tenham o vigor da juventude ,agora temos o suporte que vem da sabedoria , da vida curtida .Já não nos preocupa tanto a opinião alheia e tudo fica meio que parecendo ter sido em vão..
Mas é assim que é .Uma trajetória que nos torna pessoas melhores.Não há involução, afirmam os estudiosos. Não há como escapar das lições da vida., e neste processo de aprendizagem contínua é que formulamos os conceitos acerca de nós mesmos.Cada um de nós pensa algumas coisas de si, muitas vezes inconfessáveis. Temos medo de admitir quem somos perante o outro. Evoluir é também despir-se sem medo e sem culpa, é dizer a si mesmo que se conhece , que se percebe, que se admira e se admite. Nem melhor nem pior que seu vizinho de estrada, mas como alguém que soube a hora certa de jogar fora o que mais pesava na sua mala.
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Pensando desse jeito me entendo teimosa antes de qualquer coisa. Não fosse assim não teria conseguido carregar a mala até aqui. E olha que por vezes ela pesou . Tive vontade de desistir sim, mas a teimosia foi a energia de que precisava para ir adiante. Chorei sem ser chorona, fingi sem ser fingida. Por necessidade da hora, por circunstâncias, até por medo de parecer insensível. Sufoquei a dor para não dar ao mundo o gostinho de me chamar de fraca. Fraqueza confundida com sensibilidade, com mágoas, com romantismo ,com ,carência. Por muito tempo detive o rótulo de mulher forte , com a qual ninguém precisa se preocupar. Foram dias e dias de solitude, noites e noites de solidão, festas sem convidados, feriados sem viagem, invernos sem abraço. Tudo porque não me rendo à hipocrisia do mundo. Só quero o que for muito verdadeiro. A falsidade me enoja. A mentira me avilta, o desamor me corrói a alma., o preconceito me faz descrer na possibilidade do amor- verdade.

Hoje me vejo e não reconheço quem já pensei ter sido. Evoluí, com certeza.,mas ainda guardo o antigo medo de baratas, a cisma com o cheiro das coisas e das pessoas. Poucos são os perfumes que meu olfato suporta. Sinto com muita precisão o cheiro das pessoas e as reconheço através dele. Relaciono-me bem com todos que me rodeiam , mas tenho poucos amigos verdadeiros. Muitos companheiros de trajetória, por tempo determinado. Passei por muitos lugares, conheci muitas pessoas, pensei ter amado em algumas passagens da minha vida e até acredito que amei. Sei disso porque hoje compreendo o verdadeiro conceito de Amor, mas concluí que esse amor romântico tão bem explorado na ficção não passou por mim de verdade. Tive muitas paixões,mas é natural que tenha sido assim. Faz parte da essência humana.. Arrisco dizer que esse tipo de sensação é hormonal, é a natureza se defendendo para manter a vida. São as paixões que nos oportunizam conhecer a traição, a sensação de abandono, a vilania, a injustiça e outras emoções menos dignas que temos que obrigatoriamente vivenciar caso contrário nossas evoluções ficaria comprometido, incompleto nosso conhecimento.

Impulsiva, possessiva, autoritária, mas não arrogante., às vezes grosseira, mas sem a maldade que esses sentimentos trazem consigo. Sincera a ponto de magoar, retraída quando se trata de pessoas que eu amo, Desculpo com facilidade mas tenho dificuldade em esquecer quando me ferem. Jamais consegui fechar totalmente as feridas abertas por quem eu amo de verdade.

Sou interessada no conhecimento e na cultura e gosto de dividir com todos o pouco que sei. Acredito nas forças poderosas emanadas da natureza. Espiritualista, não suporto injustiça, acho a ingratidão uma das piores atitudes que se pode ter, mas isso não quer dizer que já não tenha sido ingrata em momentos da minha vida e me envergonho disto. .Não me submeto com facilidade., mas já estive bebaixo dos pés de algumas pessoas, só que por pouco tempo. Meu amor -próprio e minha auto-estima sempre me fazem reagir e quando volto à tona sempre estou mais forte. Fisicamente não almejo ser diferente do que sou..Saúde quase perfeita, dou conta de tudo que preciso fazer neste momento da minha vida. Agora me empenho com a modernidade, com a informática, tudo muito necessário. Ainda quero escrever um livro. Sei que um dia vou ter inspiração para isso . Que seria melhor que escrever um livro? Assunto é que não há de faltar. Aprendi a vida ao vivo, vivendo. Nunca passei fome, mas já contei moedas pra comprar o pão. Também já tive pra dar e dei sem que nunca tenha me feito falta. Acredito que a gente colhe o que planta e nunca se perde quando se planta amor e solidariedade .

Já que sou meu próprio assunto, não posso deixar de mencionar que sou vaidosa. Falo tranquilamente disso, sem medo de parecer exibida. É assim que sou e pronto. Modéstia pra quê? Modéstia e falsidade andam de mãos dadas. Tenho manias também. Gosto da minha companhia, Já chorei em final de novela, ouvindo uma música,lembrando passagens e pessoas queridas que já se foram, Meu filho Cássio nasceu quando tinha apenas dezoito anos e foi um momento inesquecível. Hoje sou uma avó feliz de três lindos meninos, Daniel, Caio e Lucas , minhas fontes de inspiração , meus grandes amores.

Sou libriana, colorada, amo a praia tanto que morei numa. Sei pedir desculpas e reconheço quando estou errada e percebo quando estou sendo enganada,. Adoro dormir com chuva, gosto de ler, de escrever como estou fazendo agora, sou fumante ocasional, mas não bebo. Acredito que a vida sempre tem razão. Sou amiga, tento compreender os erros dos outros, porque não sou adepta do "certo e do errado".. Adoro poesias, flores e dias de inverno com sol. Cozinho bem e como melhor ainda. Tenho mãos habilidosas, mas não sei cuidar de bichos nem de plantas.

Sei que sou tudo que tenho e que nada me pertence senão o que sou. Por isso tento ser o melhor possível para não me decepcionar comigo mesma. Também tenho consciência que não sou prioridade na vida de ninguém. , nem nunca serei,mas isso já não me importa mais. Não me sinto pronta para morrer, entretanto não temo a morte. Tenho até certa curiosidade do que acontece depois da vida..
Acho que meu maior defeito é que falo muito e esqueço de ouvir os outros. Estou tentando me corrigir, mas confesso que é difícil. São hábitos antigos, arraigados e custosos de se tirar da mala.

Só para concluir: Não gosto de domingo; é um dia muito longo para quem vive sozinha. Hoje é domingo, deve ser por isso que escrevi tudo isso. Para passar o tempo e acabar com o dia. Nem sei se alguém vai ler o que escrevi, mas se por acaso isso acontecer saiba que sou uma mulher e que meu nome é MARIA ALICE.

A crueldade de ser mulher

Volto ao tema da "crueldade" por me parecer inesgotável.Qualquer coisa pode, em determinado momento, ser cruel.Mulher é sujeito e objeto de muita crueldade.É cruel ser bonita, ser jovem, inteligente, regada a hormônios, feromônios, progesteronada e anfetaminada. Portadora saudável da vida e da fertilidadeNada de errado nisso. É a fase da juventude, das paixões desenfreadas , da alegria e dos sonhos. É quando parecemos eternos.

Tudo podemos e tudo queremos, afinal pensamos que a velhice nunca nos atingirá, como se fôssemos vacinados contra ela. É coisa da vovó. Ela que se vire, problema dela e de quem é velho.Que crueldade, não com os mais velhos porque esses já estão noutra. É com aquele corpinho perfeito, uns mais bonitos outros menos, mas todos no melhor da hora.

O tempo, o velho e impiedoso "senhor da razão" passa e traz com ele os efeitos da lei da gravidade, das nefastas exposições ao sol em busca daquela corzinha de pecado,a gravidez de quase todas, as noites mal-dormidas, a dupla jornada de trabalho e outras mazelas que só às mulheres são impostas.Fazer o quê? Algumas, cuja situação financeira permite, vão a busca das cirurgias plásticas e acomodam litros de silicone em bundas caídas e seios murchos e dá-lhe "botox", dentes implantados, tinturas nos cabelos e por aí vai. São tantos os recursos que o mercado oferece.

É a indústria da juventude eterna, tão amplamente sonhada. Melhor ainda se juntar-se a isto longas e penosas caminhadas, de prefarência usando tênis redutor de impacto e belas malhas de preço bem alto.Dietas, academias, massagens, muitos cremes. Tudo junto pode tirar um punhado de anos do visual. Permite até o uso daquele “baby look" da filha e daquele "jeans" apertadinho .Parecem irmãs, muitos elogiam.E o ego? Vai bem obrigada.

Pareço despeitada dizendo essas coisas, mas confesso que já fiz um pouco disso e só não fiz mais porque o dinheiro não deixou. Hoje me pertgunto se vale a pena tanto investimento e tanto sacrifício.Vejo todos os dias mulheres que não reconheço. Até colegas de escola, sempre inesquecíveis, passam por mim sem que eu junte o rosto de hoje ao do tempo do colégio. A cara é outra, dentuça, lábios grossos, repuxadas, parecendo um "Fusquinha" reformado. Muitas até bem bonitas, mas se terem conseguido quase nada do que foi no modelo original.Sorriso, então, parece que foi modificado com grampeador.A velhice é inevitável. Só não envelhece quem morre antes.

A frase é popular e não é minha, mas nem por isso deixa de ser verdadeira. Envelhecemos porque vivemos e se vivemos temos que arcar com as consequências. Não precisamos ir para o ferro velho, isso seria injusto demais com as mulheres mais velhas. Há muitas formas de se encarar a idade com altivez e dignidade, com estilo próprio, cuidando da saúde da beleza madura que vemos estampada no rosto de tantas por aí. Cabelos bem tratados (cabelos é determinante), dentes brancos, unhas feitas, de preferência mais curtas (unhas tipo garras comprometem qualquer visual).

Ser elegante, ostentar a sabedoria que o tempo nos dá, vale mais do que ser gostosa. Elegante podemos ser enquanto vivermos, mas permanecer gostosa fica muito difícil e cruel para não dizer ridículoBom que temos escolha, já que da crueldade de envelhecer ninguém escapa. Ser sujeito de sua própria história e não meros objetos de consumo comercial e de homens carecas , barrigudos e culturalmenteconvencidos que a eles foi dado e reservado o direito as mais belas e jovens fêmeas da natureza, meros objetos de prazer , permutáveis , passíveis de serem trocadas por um modelo mais novo.

Hoje é domingo e a saudade da minha vó me assaltou. Vontade de comer a comidinha que ela fazia, de deitar no colo carinhoso e acariciar aqueles cabelinhos que sempre conheci brancos e presos na nuca.Um pote de amor e sabedoria que me foi dado como exemplo de vida. Acho que vou querer envelhecer assim sendo um doce vovozinha de colo macio e fala mansa. Mas será que a mídia vai deixar?Mas toda essa nostalgia são conversas de domingo....

Eu comigo mesma

Estou começando a me acostumar comigo mesma.Acho que já não sei mais viver sem mim. Falo comigo em voz alta, me repreendo quando penso que o que fiz não foi tão certo assim, respondo minhas próprias perguntas, concordo e discordo com a outra, que sou eu. Ou será que é maluquice o que eu faço?

Não vivo sozinha, mas moro sozinha, talvez pela primeira vez na minha vida, porque agora isso esteja me parecendo uma coisa definitiva, embora saiba que para sempre é tempo demais.Quando entro no meu apartamentinho de solteira, sinto meu cheiro no ar e gosto dele. Meus chinelinhos estão lá, de prontidão, esperando meus pés cansados das caminhadas do dia e do sapato apertado. Alívio! Meu computador exibindo como pano de fundo a minha fotografia, me recebendo com aquele sorriso aliviado, me dizendo “oi”, que bom que você chegou. Como foi seu dia?

Há, e a minha cama, sem uma dobrinha, tudo no lugar. Decido o que vou fazer: navego na internet ou assisto televisão? Também tenho aquele livrinho que está pela metade, o café com pão novinho que trouxe da padaria da esquina. Lembro dos meus amores e penso em ligar, mas é cedo ainda. Papo no telefone é melhor mais tarde quando já se pode dar boa-noite.

É, tenho amores e sei onde eles estão. Logo ali ao alcance da minha saudade. Só preciso saber se está tudo bem, dizer que os amo e que hoje minhas pernas não doeram, que eu acho que vai esfriar e que se agasalhem no dia seguinte antes de saírem de casa.Ando pela sala e lembro que esqueci da molhar minhas plantas. Nunca tive muito talento para cuidar delas, mas estou me esforçando. Fiz uma espécie de cronograma de rega segunda, quarta e sexta.

Já assimilei como compromisso de rotina e, por enquanto está funcionando. Em troca elas me brindam com oxigênio mais puro e embelezam o ambiente. Depois eu, meu café passado na hora como eu gosto, a novela, meus e-mails. Eu comigo mesma, solitude sem solidão. Que bom! Estou me acostumando a viver com essa pessoa que eu nem sabia que existia a um tempo atrás. Não tem ninguém para tirar meus óculos quando adormeço no sofá, mas também não há ninguém para me dizer que ronco nem para me pedir bife com batata frita justo na hora da novela ou de telejornal ou que está sufocando com a fumaça do meu cigarro e que eu vou morrer de câncer no pulmão.

Há como é bom acordar pela manhã e não precisar correr para o banheiro, desamassar a cara e esconder aquele cabelo de quem parece ter passado a noite na ventania, não ver roupa espalhada pelo chão, vaso cheio de xixi além de não ter que suportar o mau-humor de ninguém.Delícia das delícias. Conviver comigo mesma é repartir com essa chata que habita em mim as poucas coisas que conquistei. .É bom conviver com quem a gente sabe o que pensa, que não nos enche a paciência e isso só se consegue quando se mora sozinho. Egoísmo, individualismo, ranzinice?

Pode ser, mas é uma alternativa para se ter um pouco mais de paz e sossego. Não se precisa abrir mão da família, dos amigos e até de um romance, mas quando se chega na fase do repouso, quando cessa a adrenalina e já se cometeu todos os desatinos a que se tem direito, pode-se tirar proveito da mansidão e do aconchego da nossa própria companhia, desse momento sereno, sem as ansiedades desnecessárias e desgastantes. Pura conquista. Difícil, mas possível.

Entretanto há que se ter cuidado. Nunca se sabe quando seremos atacados pelo vírus da solidão. Ele não desiste de nos fazer voltar a sermos caçadores de emoções perigosas.