20 de setembro de 2009

COMO UM RAIO DE SOL INVIESADO

Um dia voltei ao lugar em que fui feliz!
Há quem concorde que não se deve voltar a esse lugar. Ele deve ficar congelado na memória como uma lembrança , uma doce reminiscência dando-nos a alentadora certeza que um dia conhecemos a felicidade .

Desobedeci o antigo conselho, cujo autor nem mesmo sei quem foi. E era um domingo de primavera , daqueles silenciosos e mormacentos. Não havia sol e se havia escondeu-se ao me ver para que eu ficasse mais triste naquela visita de saudade.

Caminhei pela estrada de cascalhos até onde era a casa em que cresci. Não havia nada lá , nem mesmo o velho poço eu encontrei. Estava escondido pela vegetação quase mato fechado.
Os pés de laranjeira haviam sumido da mesma forma que sumiram as pereiras , as goiabeiras e todas as árvores que eu conhecera tão bem. Apenas o velho pé de bananeiras sobreviveu meio enferrujado , sem viço.

Senti uma dor aguda no peito, como se houvessem me tirado um pouco da minha essência, da minha alma.Eu já havia feito a maior parte da travessia da vida e sabia que os sonhos que ali havia sonhado estavam muitos deles me espionando entre as poucas árvores que o tempo não conseguiu derrubar. Meu antigo oásis de felicidade transformara-se em um deserto.

Pensei na sequência interminável de sucessivos dias de sol, de chuva, a geada dos invernos sempre tão frios, na névoa úmida, nos temporais e nas cheias do rio .Tudo corroendo as sobras dos meus sonhos, murchando as flores que eu plantara com tanta esperança na minha longinqua juventude.
Mas tudo estava ali e eu podia sentir na ausência, a presença do meu amor de infância, do aconchego das pessoas que me ensinaram as primeiras lições que se tem de aprender na vida, do chá de erva-cidreira , do fogão de lenha , dos banhos no rio, das cantigas de roda, das cavalgadas livre pelas estradas empoeiradas .

Encontrei uma pedra e sentada, abracei meus joelhos. Uma vontade muito grande de chorar atravessou-me a garganta. De todos os meus sonhos o mais bonito ficou ali, solto no ar e agora quase materializava-se diante de mim sem que eu pudesse aprisioná-lo novamente. Um sonho de amor rebelde , tão rebelde que foi em busca das fronteiras do mundo que ficavam atrás dos morros azulados , do outro lado do rio. Nunca mais voltou, mas ainda me fere como um raio de sol enviesado.

Um dia chegarei ao fim da jornada. Terei os pés ainda cobertos de poeira ,a pele queimada pelo sol do caminho, o corpo cansado de tantas andanças repousará à sombra das laranjeiras . Vou encontrar ainda o velho poço e beberei de sua água fresca e pura. Até o pé de camélias ressuscitada florido. Ouvirei o som dos teus passos nos cascalhos da estrada e seremos felizes para sempre...

Maria Alice Guimarães