8 de fevereiro de 2010

A CASA DA MINHA TIA

Quem não vasculha aquelas caixinhas esquecidas no fundo de uma gaveta? Invariavelmente elas contém coisas surpreendentes, que a gente nunca jogou fora, ou por achar que teriam, no futuro, alguma utilidade ou por serem lembranças de algum momento que não queremos esquecer.Pois é, abri uma dessas outro dia e vasculhei, por curiosidade. Não sabia mais o que guardara lá dentro. Surpresa! Numa folha de caderno escolar, que quase se desintegrou na minha mão de tão antigo e amarelado, estava um pequeno texto, escrito por mim, quando ainda acreditava em papai-noel e coelhinho da páscoa. O título, quase apagado, “A casa da minha tia”, me fez embarcar no túnel do tempo. Na verdade havia encontrado meu primeiro escrito com intenção poética. Grafara ali sentimentos de uma menina que ficou pra trás e agora me abanava com uma mãozinha sem manchas, de vestido rodado e cabelos compridos, amarrados num majestoso rabo-de-cavalo. O que será que este pequeno projeto de escritora pensava , sentia, esperava da vida, pensei. O que este pequeno texto estava querendo comigo, pra me surpreender de uma hora pra outra? Intrigada com o título singelo, comecei a ler, movida pelo desejo de saber o que o passado tinha a me revelar. Não foi difícil voltar naquele lugar onde vivi meus verdes anos. Uma casa, de uma simplicidade aconchegante, singela e arrumada com carinho, Vi no canto de uma cozinha muito simples, um fogão queimando lenha e cuspindo brasas, que hipnotizavam meus olhos, que ainda não conheciam o mundo escondido atrás do mato de eucaliptos verdes e cheirosos, lá longe, do outro lado da estrada de terra solta, onde quase ninguém passava . Até o chiado da água fervendo na velha chaleira de ferro me veio à memória. Vi as bergamoteiras carregadas de frutas, em cachos que mais pareciam pingentes de ouro, o poço de águas límpidas e cristalinas brotadas do fundo da terra. O campo , um tapete verdinho todo enfeitado de florzinhas amarelas que serviam para brincar de bem-me-quer mal-me-quer. Cheiro de mato, da mistura das ervas daninhas, dos araçás e das pitangueiras, que no verão se enchiam de frutinhas tentadoramente vermelhas e doces, como eu pensava que seria a vida, o futuro, tão distante que parecia estar de mim, como aquele mundaréu de estrelas que se via nas noites de céu sem nuvens. Minha tia, a dona e senhora daquele lugar encantado, trazia no rosto ainda jovem, a beleza de uma dama que lia romances de amor e cuidava da terra. Alguém que entendia, mais do que ninguém, as emoções das quais eu era feita. Sabia, desde sempre, a mulher que se projetava em mim. Tinha a sabedoria que me dava a certeza de que com ela eu sempre estaria segura, que seus braços estariam abertos sempre que eu precisasse de aconchego. Como eu desejava que ela fosse minha mãe, como eu gostava de ficar perto dela. Lembro que escrevi este pequeno texto, que agora tenho nas mãos e dei a ela, orgulhosa, me sentindo uma poetisa de verdade. Ela mostrava a todos e elogiava, sentindo-se homenageada pela sobrinha , que bem no fundo herdara dela o amor pelas letras. “A casa da minha tia”, minha primeira inspiração poética, inocente e singela, um retalho colorido que, como os vestidos de chita que vestiram minha infância, encontrei escondido numa velha caixinha, bem no fundo de uma gaveta, onde ainda habitam outras lembranças , talvez não tão felizes, mas que um dia vou tirar de lá.

4 comentários:

jurisdrops disse...

Adorei o texto, Maria Alice. Talvez o papel amarelado tenha vindo parar em suas mãos para que você pudesse prestar essa homenagem, tão cheia de ternura, à tia querida que, desde cedo, já percebera com sensibilidade sua paixão pelo mundo das palavras.
Bjos carinhosos.

alyce123 disse...

Querida!
Obrigada por apreciar meu texto, na verdade, singelo como o tempo que relembro. Minha homenageada ainda vive e nos queremos muito bem.
bjos

Lurdinha disse...

Gostei do texto minha poeta Maria Alice.....recordações boas é bem vinda,sua tia querida, me fez recordar......

beijos com carinho

Lurdinha

Lista Telefonica disse...

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